O Culto do Lobo
O luar iluminava a floresta com uma luz pálida e fria,
enquanto Marcos caminhava apressado pelo caminho de terra batida. Ele olhava
para o céu, onde a lua cheia já se destacava entre as estrelas. Seus
pensamentos estavam acelerados, e seu corpo suava, apesar do frio da noite. Ele
sabia que tinha pouco tempo antes de a transformação começar.
Dois meses atrás, a vida de Marcos havia mudado
drasticamente. Ele tinha ido acampar com alguns amigos em uma região montanhosa
e remota. A viagem era para ser uma fuga relaxante da rotina da cidade, mas se
transformou em um pesadelo. Durante uma caminhada solitária à noite, ele foi
atacado por um lobo que surgiu das sombras. A luta foi rápida e brutal. Ele mal
teve tempo de gritar antes de sentir os dentes afiados perfurarem sua carne.
Quando os amigos chegaram para ajudar, o lobo já havia desaparecido na floresta,
deixando Marcos ensanguentado e inconsciente.
Ele foi levado às pressas para o hospital e,
surpreendentemente, as feridas curaram-se mais rápido do que os médicos
esperavam. Mas algo estava diferente. Marcos começou a notar mudanças em seu
corpo e mente, especialmente durante as noites de lua cheia. A primeira
transformação foi aterrorizante. Ele estava sozinho em seu apartamento quando a
dor começou. Seus ossos pareciam se contorcer, a pele ardia, e ele sentiu cada
fibra de seu ser se rearranjar. Quando a transformação terminou, ele não era
mais humano. Ele era uma criatura bestial, um lobisomem, e a noite seguinte foi
uma névoa de violência e destruição.
Marcos acordou na floresta, nu e coberto de sangue.
Assustado e confuso, ele voltou para casa e começou a pesquisar sobre sua
condição. Descobriu que era um lobisomem e que a maldição era desencadeada pela
lua cheia. Ele decidiu que precisava fazer algo para proteger as pessoas ao seu
redor e a si mesmo. Foi então que começou a construir a jaula.
A jaula era um trabalho meticuloso de engenharia e
desespero. Marcos gastou suas economias comprando o metal mais resistente que
encontrou, e passou dias soldando, reforçando e testando a estrutura.
Finalmente, estava pronta. Uma jaula grande o suficiente para contê-lo, com
barras grossas e uma porta trancada com um sistema de segurança complexo que só
poderia ser aberto do lado de fora. Ele a instalou no porão de sua casa, um
lugar isolado e seguro, onde ninguém o ouviria durante a transformação.
Naquela noite, enquanto a lua cheia subia no céu, Marcos
desceu ao porão e entrou na jaula. Suas mãos tremiam enquanto trancava a porta
por dentro e acionava o mecanismo de segurança. Ele sabia que a transformação
era iminente e que precisava estar trancado antes que começasse. Sentou-se no
chão frio da jaula, esperando.
A dor começou como uma pontada no fundo de seus ossos,
espalhando-se rapidamente por todo o corpo. Ele gritou, a voz humana se
transformando em um rosnado gutural. Suas unhas cresceram, transformando-se em
garras afiadas. Sua pele se esticou e se rasgou, dando lugar a pelos grossos e
escuros. Os olhos de Marcos se encheram de uma fúria selvagem, e ele perdeu a
consciência, rendendo-se completamente à besta dentro dele.
A criatura que agora ocupava a jaula era uma fera imponente,
com mandíbulas poderosas e olhos brilhantes que refletiam a luz da lua. O
lobisomem se lançou contra as barras da jaula, tentando escapar, mas o metal
resistiu. Ele rosnou e arranhou as paredes, mas não conseguiu encontrar uma
saída. A jaula segurava firme, protegendo o mundo de sua fúria.
Quando o sol começou a subir, a transformação começou a
reverter. A dor voltou, os ossos se contorcendo para suas formas humanas.
Marcos acordou horas depois, exausto e dolorido, mas aliviado. A jaula havia
funcionado. Ele estava a salvo, e o mundo estava a salvo dele.
No entanto, Marcos sabia que isso não era uma solução
permanente. Ele não podia passar o resto de sua vida trancado em uma jaula a
cada lua cheia. Precisava encontrar uma cura ou, pelo menos, uma maneira de
controlar a transformação. Começou a investigar antigas lendas e mitos,
procurando por qualquer pista que pudesse ajudá-lo.
Em uma dessas buscas, ele encontrou um velho livro em uma
livraria antiquária. O livro falava sobre lobisomens e continha relatos de
várias culturas sobre como lidar com a maldição. Uma passagem em particular
chamou sua atenção: uma antiga lenda europeia mencionava uma erva rara,
conhecida como Wolfsbane, que poderia ajudar a suprimir a transformação.
Determinado, Marcos decidiu encontrar essa erva.
A busca não foi fácil. Wolfsbane era raro e difícil de
encontrar, crescendo apenas em regiões específicas e em certas épocas do ano.
Marcos começou a planejar uma viagem para as montanhas onde a erva supostamente
crescia. Ele passou semanas estudando mapas, coordenando a logística e
preparando-se para a jornada.
Finalmente, o dia chegou. Marcos pegou sua mochila e partiu
para as montanhas. A viagem era perigosa, com trilhas íngremes e clima
imprevisível, mas ele estava determinado a encontrar a erva que poderia salvar
sua vida. Ele caminhou por dias, acampando sob o céu estrelado e enfrentando os
elementos. Cada noite que passava, ele olhava para a lua, sentindo a tensão
crescente em seu corpo.
No terceiro dia, Marcos encontrou um vale escondido entre as
montanhas. Era um lugar sereno e intocado, onde a natureza parecia florescer em
seu estado mais puro. E lá, entre as rochas e o musgo, ele viu a erva
Wolfsbane, com suas flores roxas e folhas pontiagudas. Sentiu uma onda de
alívio e esperança. Com cuidado, colheu algumas plantas e as guardou em sua
mochila.
A viagem de volta foi igualmente difícil, mas agora Marcos
carregava a esperança em seu coração. Quando finalmente chegou em casa,
exausto, mas triunfante, começou a preparar uma poção com a Wolfsbane. Seguiu
as instruções do antigo livro meticulosamente, misturando a erva com outros
ingredientes e fervendo a mistura em uma panela de ferro.
Naquela noite, a lua cheia novamente iluminava o céu. Marcos
olhou para a jaula, seu refúgio e prisão, e então para a poção que havia
preparado. Ele sabia que havia risco em beber a mistura, mas também sabia que
precisava tentar. Com uma última oração silenciosa, ele bebeu a poção, sentindo
o gosto amargo e herbáceo invadir sua boca.
Os minutos seguintes foram uma mistura de ansiedade e dor.
Marcos sentiu seu corpo reagir à poção, uma sensação de calor se espalhando por
seus membros. Ele se preparou para a transformação, esperando a familiar dor e
contorção, mas algo era diferente. A dor ainda estava lá, mas era menos
intensa. Seu corpo parecia lutar contra a transformação, resistindo ao impulso
primal.
Finalmente, a dor diminuiu, e Marcos olhou para suas mãos.
Ainda eram humanas. Sentiu uma onda de alívio e triunfo. A poção havia
funcionado, pelo menos parcialmente. Ele ainda sentia a fera dentro dele, mas
agora tinha uma arma contra ela.
Nos meses que se seguiram, Marcos continuou a usar a poção
de Wolfsbane, ajustando a fórmula e experimentando dosagens diferentes. Ele
aprendeu a controlar melhor as transformações, conseguindo manter sua forma
humana durante as noites de lua cheia. A jaula ainda estava lá, um lembrete de
seu fardo, mas agora ele tinha esperança.
Marcos também começou a se abrir para outras pessoas sobre
sua condição. Encontrou uma comunidade de pessoas que sofriam de maldições
semelhantes, e juntos, começaram a buscar uma cura definitiva. Ele sabia que a
jornada seria longa e difícil, mas pela primeira vez em meses, sentia que tinha
uma chance de recuperar sua vida.
Enquanto a lua cheia continuava a brilhar no céu, Marcos
olhou para o horizonte com determinação. A luta estava longe de terminar, mas
ele estava pronto. Com a poção em uma mão e a força de sua vontade na outra,
ele enfrentaria a besta dentro dele, noite após noite, até encontrar uma
maneira de se libertar para sempre.
Marcos estava na cozinha, preparando uma nova poção de
Wolfsbane, quando ouviu uma batida suave na porta. Seu coração acelerou.
Raramente recebia visitas, especialmente à noite. Ele se aproximou
cautelosamente da porta e olhou pelo olho mágico. Do outro lado, uma mulher de
cabelos escuros e expressão séria esperava.
Ele abriu a porta com cuidado, mantendo a corrente de
segurança no lugar. "Posso ajudar?" perguntou, tentando esconder sua
inquietação.
"Meu nome é Clara," disse a mulher, sua voz firme,
mas gentil. "Precisamos conversar. Sei o que você é."
O sangue de Marcos gelou. "O que você quer dizer?"
Clara suspirou. "Eu também sou um lobisomem. E sei que
você está lutando para controlar suas transformações."
Marcos ficou em silêncio por um momento, processando a
informação. Então, ele abriu a porta completamente e a deixou entrar. Clara
entrou na casa e olhou ao redor, notando a jaula no porão visível através da
escada.
"Você tem se contido aqui, sozinho?" ela
perguntou, uma pitada de tristeza na voz.
"Sim," respondeu Marcos. "Não tive escolha. É
a única maneira de proteger as pessoas."
Clara assentiu, compreendendo. "Há um lugar, uma
comunidade de pessoas como nós. Eles podem te ajudar. Foi onde aprendi a
controlar minhas transformações."
Marcos sentiu uma centelha de esperança. "Onde é esse
lugar?"
"É um refúgio nas montanhas," explicou Clara.
"Longe de olhares curiosos e perigos. Eles têm conhecimento antigo,
técnicas e poções que podem ajudar. Mas também há um perigo. Um dos nossos se
rebelou e fugiu. Ele é o lobo que te mordeu."
Marcos franziu a testa. "Você sabe onde ele está
agora?"
Clara balançou a cabeça. "Não, mas ele está sendo
procurado. Venha comigo. Eles podem te ajudar, e talvez possamos encontrá-lo
juntos."
Marcos hesitou por um momento, mas então fez as malas,
pegando as poções de Wolfsbane e algumas roupas. Ele sabia que essa poderia ser
sua única chance de encontrar respostas e talvez uma cura. Eles saíram juntos,
a noite iluminada pela lua cheia, mas desta vez, Marcos não estava sozinho.
A viagem para as montanhas foi longa, mas Clara foi uma boa
companhia. Ela contou histórias sobre sua própria transformação e como
encontrou o refúgio. Havia um sentimento de camaradagem entre eles, uma
compreensão mútua de suas lutas.
Finalmente, chegaram ao refúgio. Era um local isolado,
rodeado por árvores altas e protegido por uma cerca robusta. Clara levou Marcos
até uma grande cabana de madeira no centro do acampamento. Lá, ele foi recebido
por um homem alto e forte, com um olhar penetrante.
"Este é Elias," disse Clara, apresentando o homem.
"Ele é o líder da nossa comunidade."
Elias estendeu a mão para Marcos. "Bem-vindo. Ouvi
falar de você. Estamos aqui para te ajudar."
Marcos apertou a mão de Elias, sentindo a força e a
confiança do homem. "Obrigado. Estou pronto para aprender."
Elias sorriu. "Vamos começar com o básico. Primeiro,
você precisa entender e aceitar sua natureza. Só assim poderá
controlá-la."
Nos dias seguintes, Marcos se integrou à comunidade. Ele
conheceu outras pessoas como ele, cada uma com suas próprias histórias de
transformação e sobrevivência. Juntos, eles praticavam meditação, exercícios
físicos e técnicas de controle mental para suprimir a fera interior.
Uma noite, enquanto estavam reunidos ao redor de uma
fogueira, Elias contou mais sobre o lobisomem rebelde. "Seu nome é
Raul," disse ele. "Era um dos nossos, mas se rebelou contra nossas
regras. Ele acreditava que nossa natureza devia ser abraçada sem restrições,
sem tentar controlar a fera. Ele fugiu e, desde então, tem causado caos por
onde passa."
"Você acha que ele ainda está por perto?"
perguntou Marcos.
Elias assentiu. "Sim. Temos razões para acreditar que
ele está se escondendo nas florestas ao redor. Precisamos encontrá-lo e detê-lo
antes que cause mais danos."
Marcos sentiu uma mistura de raiva e determinação. "Ele
me mordeu e me trouxe essa maldição. Quero ajudar a capturá-lo."
Clara colocou a mão no ombro de Marcos. "E vamos.
Juntos."
Nas semanas seguintes, a busca por Raul se intensificou.
Marcos treinou arduamente com os outros membros da comunidade, aprendendo a
usar suas habilidades de lobisomem para rastrear e caçar. Ele também fortaleceu
seu controle sobre as transformações, usando as poções de Wolfsbane para ajudar
a manter sua sanidade.
Durante uma patrulha noturna, Marcos e Clara encontraram
pistas recentes de Raul: pegadas profundas e sinais de luta na vegetação. Eles
seguiram as pistas, avançando cautelosamente pela floresta. O silêncio era
interrompido apenas pelo farfalhar das folhas e o ocasional uivo distante de um
lobo.
Finalmente, chegaram a uma caverna escondida entre as
rochas. Clara olhou para Marcos, e ambos sabiam que haviam encontrado o
esconderijo de Raul. Com cuidado, eles se aproximaram da entrada, tentando não
fazer barulho. Dentro da caverna, puderam ouvir movimentos e rosnados baixos.
"Está lá dentro," sussurrou Clara.
"Precisamos ser rápidos e precisos."
Marcos assentiu, sentindo a adrenalina correr por suas
veias. Eles se transformaram parcialmente, aproveitando a força e os sentidos
aguçados do lobisomem sem perder completamente a racionalidade. Entraram na
caverna, os olhos ajustando-se à escuridão.
Raul estava no fundo, seus olhos brilhando com uma luz
feroz. "Então, vieram me caçar," disse ele, a voz cheia de desprezo.
"Acham que podem me parar?"
"Não vamos deixar você continuar machucando
pessoas," respondeu Marcos, sentindo a raiva borbulhar dentro dele.
"Isso precisa acabar."
Raul rosnou e atacou, movendo-se com uma velocidade
impressionante. A luta foi feroz e brutal, com garras e dentes rasgando o ar.
Clara e Marcos lutaram juntos, uma equipe sincronizada pela prática e pela
necessidade de sobrevivência. Raul era forte, mas sua arrogância o tornava
descuidado.
Finalmente, conseguiram subjugar Raul. Marcos o segurou no
chão enquanto Clara preparava uma poção especial que Elias havia dado a eles,
destinada a suprimir completamente a fera. "Isso vai te parar," disse
ela, despejando a poção na boca de Raul.
Raul lutou, mas a poção fez efeito rapidamente. Seus
movimentos ficaram mais lentos, e finalmente ele desmaiou. Marcos e Clara ficaram
calmos, exaustos, mas triunfantes.
Eles levaram Raul de volta ao refúgio, onde Elias e os
outros os esperavam. "Bom trabalho," disse Elias. "Agora ele
será contido e tratado. E vocês provaram ser verdadeiros membros desta
comunidade."
Marcos sentiu um peso ser levantado de seus ombros. Pela
primeira vez desde que foi mordido, ele sentia que tinha controle sobre seu
destino. Olhou para Clara e sorriu. "Obrigado por me mostrar o
caminho."
Clara sorriu de volta. "Ainda temos muito a aprender e
a enfrentar, mas faremos isso juntos."
Nos meses que se seguiram, Marcos continuou a se integrar à
comunidade, fortalecendo seus laços e aprendendo novas técnicas de controle.
Ele e Clara se tornaram inseparáveis, unidos pela experiência compartilhada e
pela luta comum. Raul, agora contido e sob vigilância, começou a mostrar sinais
de arrependimento, e Elias esperava que um dia ele pudesse se redimir.
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