O Revividor
Em uma pequena cidade, rodeada por montanhas e envolta em um
mistério antigo, vivia um homem chamado Elias. Ele possuía um dom raro e
sobrenatural: a habilidade de reviver os mortos. Este poder, que um dia ele
encarou com temor, agora moldava sua vida.
A notícia sobre o dom de Elias espalhou-se rapidamente, e
pessoas de todos os cantos vinham até ele, trazendo suas esperanças e seus
corações partidos. Eles estavam dispostos a pagar qualquer preço para ver seus
entes queridos de volta. Elias, por sua vez, vivia com a constante preocupação
de que um dia poderia trazer de volta alguém que não merecesse retornar ao
mundo dos vivos.
Elias morava em uma antiga mansão na periferia da cidade, um
lugar que exalava tanto história quanto mistério. Os corredores eram decorados
com retratos de seus antepassados, e a biblioteca era repleta de livros antigos
sobre necromancia, misticismo e ética. Cada canto da casa parecia sussurrar
segredos do passado, e era nesse ambiente que ele realizava seus rituais.
Na manhã de um outono enevoado, Elias recebeu uma visita
inesperada. Uma mulher idosa, vestida de preto, com lágrimas nos olhos,
implorou pela ajuda dele. Seu nome era Dona Lúcia, e ela queria que Elias
trouxesse de volta seu filho, Roberto, que havia morrido em um trágico acidente
de carro.
— Por favor, senhor Elias, eu pagarei qualquer preço. Só
quero ver meu filho novamente, sentir seu abraço, ouvir sua voz — disse ela,
sua voz tremendo de desespero.
Elias assentiu lentamente, mas antes de aceitar a proposta,
ele sabia que precisava investigar. Sua responsabilidade não era apenas com os
vivos, mas também com o equilíbrio moral do mundo. Ele começou sua pesquisa
sobre Roberto, vasculhando registros, conversando com pessoas que o conheceram,
e até visitando o túmulo onde ele estava enterrado.
Durante sua investigação, Elias descobriu que Roberto era um
jovem talentoso, conhecido por sua bondade e generosidade. Ele ajudava na
comunidade, era voluntário em um orfanato e tinha muitos amigos que ainda
choravam sua perda. Não encontrou nada que sugerisse que Roberto fosse uma
pessoa má. Sentindo-se confiante, Elias decidiu realizar o ritual.
Naquela noite, sob a luz pálida da lua cheia, Elias preparou
seu santuário. Velas foram acesas ao redor do círculo onde o corpo de Roberto
seria colocado. Ele murmurou antigas palavras em uma língua esquecida, sentindo
a energia pulsar ao seu redor. Com um último encantamento, a essência de
Roberto foi trazida de volta ao seu corpo.
Os olhos de Roberto se abriram lentamente, e ele respirou
fundo, como se acordasse de um longo sono. Dona Lúcia chorou de alegria ao
abraçar seu filho, agradecendo a Elias com cada fibra de seu ser.
— Obrigado, senhor Elias. Obrigado por me devolver meu filho
— disse ela, entre soluços.
Elias sorriu, sentindo um raro momento de satisfação.
Contudo, logo percebeu que essa alegria vinha acompanhada de um peso ainda
maior de responsabilidade. Cada vida que ele trazia de volta alterava o tecido
do destino, e ele precisava ser extremamente cuidadoso.
Algumas semanas depois, Elias recebeu outra visita. Um homem
de aparência severa e olhos frios entrou na mansão. Ele se apresentou como
Ricardo, um empresário de sucesso, que queria reviver seu sócio, Henrique, que
havia morrido recentemente em circunstâncias misteriosas.
— Henrique era o pilar da nossa empresa. Sem ele, estamos
perdidos. Estou disposto a pagar qualquer quantia para tê-lo de volta — disse
Ricardo, com uma firmeza que não deixava dúvidas sobre sua determinação.
Elias, como sempre, concordou em investigar antes de tomar
qualquer decisão. Ele mergulhou nos arquivos da empresa, falou com os
funcionários e amigos de Henrique, e até visitou os locais onde ele costumava
passar seu tempo. O que descobriu foi perturbador: Henrique não era apenas um
homem de negócios; ele estava envolvido em atividades ilícitas, lavagem de
dinheiro e tinha conexões com o crime organizado.
Elias se encontrou em um dilema moral. Recusar significava
negar a Ricardo a chance de salvar sua empresa, mas trazer Henrique de volta
poderia significar reintroduzir um elemento perigoso na sociedade. Ele ponderou
longamente, pesando os prós e contras, até que finalmente tomou sua decisão.
Na manhã seguinte, Elias encontrou Ricardo na entrada de sua
mansão.
— Desculpe, senhor Ricardo, mas não posso trazer Henrique de
volta. Ele fez muitas coisas ruins em sua vida, e trazer alguém assim de volta
pode causar mais mal do que bem.
Ricardo ficou furioso, acusando Elias de brincar de Deus,
mas Elias permaneceu firme. Ele sabia que havia tomado a decisão certa, mesmo
que isso significasse ganhar um inimigo poderoso.
Os dias passaram, e Elias continuou seu trabalho, revivendo
aqueles que ele julgava merecedores e recusando aqueles cuja volta poderia
trazer mais sofrimento. Cada caso era uma nova batalha moral, um novo desafio
que testava sua ética e seu compromisso com o equilíbrio do mundo.
Um dia, uma jovem chamada Ana bateu à porta de Elias. Ela
trazia nos olhos uma tristeza profunda, e em suas mãos, uma pequena urna.
— Este é meu irmão, Felipe. Ele morreu há dois anos em um
incêndio. Por favor, senhor Elias, ele era minha única família. Não consigo
continuar sem ele — suplicou ela, com lágrimas rolando pelo rosto.
Elias aceitou investigar o caso. Ele descobriu que Felipe
era um jovem artista, cheio de vida e talento, que ajudava os necessitados e
era amado por todos que o conheciam. Não havia sombra em seu passado que
indicasse algo que desabonasse seu caráter. Sentindo-se confiante em sua
decisão, Elias preparou-se para trazer Felipe de volta.
Na noite do ritual, enquanto as velas iluminavam a sala,
Elias sentiu uma estranha presença ao seu redor. Uma sensação de que algo ou
alguém estava observando. Ele ignorou o desconforto e continuou com o
encantamento. A essência de Felipe foi trazida de volta ao seu corpo, e ele
acordou, confuso, mas vivo. Ana abraçou seu irmão, chorando de alegria e
agradecendo a Elias.
No entanto, aquela sensação estranha continuou a atormentar
Elias. Ele começou a perceber que, a cada ritual, a linha entre a vida e a
morte ficava mais tênue, e ele temia as consequências de seus atos. Uma noite,
enquanto lia um antigo tomo de necromancia, encontrou uma passagem que o deixou
gelado:
"Aqueles que brincam com a vida e a morte atraem a
atenção das forças além do véu. Cada alma revivida é uma dívida que deve ser
paga."
Elias começou a perceber que suas ações poderiam ter
consequências além de sua compreensão. O equilíbrio do mundo espiritual estava
em jogo, e ele precisava ser ainda mais cuidadoso com suas escolhas.
Um mês depois, um homem misterioso chamado Gustavo apareceu
na mansão. Ele estava desesperado para reviver sua esposa, Laura, que havia
sido assassinada. Elias, movido pela urgência e pela tristeza de Gustavo,
começou sua investigação. Descobriu que Laura era uma mulher bondosa e
caridosa, sem nenhum inimigo aparente. Sentindo que não havia perigo em
trazê-la de volta, Elias preparou-se para o ritual.
Na noite da ressurreição, Elias sentiu a presença novamente,
mais forte e mais opressiva. Ele hesitou, mas prosseguiu, trazendo Laura de
volta à vida. Quando ela abriu os olhos, Gustavo caiu de joelhos, agradecendo a
Elias entre lágrimas.
Mas algo estava errado. Laura parecia confusa, desorientada,
e logo começou a ter convulsões. Elias percebeu que algo estava interferindo no
ritual. Ele tentou estabilizá-la, mas foi em vão. Com um grito, Laura caiu no
chão, morta novamente. Gustavo olhou para Elias, horrorizado e traído.
— O que você fez? — gritou ele, a dor e a raiva em sua voz.
Elias ficou em silêncio, o peso de seus atos finalmente
caindo sobre ele. Ele começou a perceber que havia forças maiores em jogo, algo
que ele não podia controlar ou entender completamente.
Decidiu que precisava parar, pelo menos até entender as
verdadeiras consequências de seus poderes. Ele se isolou na mansão, estudando
fervorosamente os antigos textos e buscando respostas nos lugares mais obscuros
de seu conhecimento.
Mas as pessoas continuavam a vir, implorando por sua ajuda.
Elias se via cada vez mais dividido entre o desejo de ajudar e o medo das
consequências. Cada nova pessoa que batia à sua porta era uma nova pergunta sem
resposta, uma nova chance de cometer um erro irreparável.
E foi então que ele encontrou uma carta anônima em sua
porta, com uma simples mensagem: "Você não está sozinho. Há outros como
você. Venha nos encontrar." A carta incluía um endereço em uma cidade
distante, prometendo respostas e uma comunidade de pessoas com habilidades
semelhantes.
Elias sabia que precisava ir, precisava entender mais sobre
seus poderes e suas responsabilidades. Ele deixou um bilhete na mansão,
explicando sua ausência e prometendo voltar com respostas.
E assim, Elias partiu em busca de outros como ele, em busca
de compreensão e, talvez, redenção. Sabia que a jornada seria longa e cheia de
perigos, mas também sabia que era a única maneira de encontrar paz para si
mesmo e para aqueles que dependiam de seus dons.
Elias caminhou por dias, seguindo o endereço na carta
anônima. A estrada era longa e solitária, cruzando florestas densas e campos
abertos. À medida que avançava, a sensação de ser observado não o abandonava.
Ele se perguntava se as forças que interferiram em seu último ritual estariam
de olho nele, seguindo seus passos.
Chegou à cidade indicada na carta ao cair da noite. Era um
lugar pequeno, mas movimentado, com pessoas indo e vindo, sem suspeitar que
entre elas caminhava um homem com o poder de alterar o ciclo natural da vida e
da morte. Elias procurou o endereço, encontrando uma pequena casa no fim de uma
rua tranquila. A porta estava entreaberta, como se esperassem sua chegada.
Elias entrou cautelosamente. A casa estava escura, iluminada
apenas por algumas velas espalhadas. Uma figura emergiu das sombras, uma mulher
de meia-idade com olhos penetrantes e um sorriso acolhedor.
— Seja bem-vindo, Elias — disse ela. — Meu nome é Helena.
Estamos esperando por você.
Elias sentiu um misto de alívio e apreensão. Seguiu Helena
até uma sala nos fundos da casa, onde encontrou um grupo de pessoas sentadas ao
redor de uma mesa. Havia um homem idoso com uma barba branca, uma jovem com
marcas de queimaduras nas mãos e um rapaz de aparência frágil, todos o
observando com curiosidade.
— Sentem-se, por favor — disse Helena, indicando uma cadeira
vazia. — Somos o Círculo da Vida Eterna. Todos aqui possuem dons semelhantes ao
seu.
Elias se acomodou, tentando absorver as palavras dela. Era
difícil acreditar que não estava mais sozinho, que havia outros como ele,
lutando com as mesmas questões morais e éticas.
— Todos vocês podem reviver os mortos? — perguntou ele,
ainda incrédulo.
— Sim, mas cada um de nós tem uma abordagem e limitações
diferentes — respondeu o homem idoso, que se apresentou como Samuel. — Por
exemplo, eu só posso reviver aqueles que morreram de causas naturais. Já Helena
pode trazer de volta apenas aqueles que morreram violentamente.
A jovem com marcas de queimaduras, chamada Marina, explicou
que conseguia reviver animais, enquanto o rapaz, chamado Arthur, podia
comunicar-se com os espíritos antes de trazê-los de volta, garantindo que
quisessem retornar.
Elias sentiu uma pontada de inveja. Seus poderes pareciam ao
mesmo tempo uma bênção e uma maldição, tão abrangentes e incontroláveis. Ele
compartilhou suas experiências, incluindo o incidente com Laura e a presença
perturbadora que sentira durante os rituais.
— Isso é preocupante — disse Samuel, franzindo a testa. — As
forças além do véu podem estar tentando corrigir um desequilíbrio que nossas
ações causaram.
Helena assentiu, concordando.
— É por isso que estamos aqui, Elias. Precisamos entender
nossos dons e aprender a usá-los de forma a manter o equilíbrio. Cada vida que
trazemos de volta é uma responsabilidade imensa.
Durante as semanas seguintes, Elias ficou na cidade,
aprendendo com os membros do Círculo. Eles discutiam casos, compartilhavam
experiências e investigavam a natureza de seus poderes. Elias se sentia cada
vez mais parte de algo maior, mas ainda lutava com suas próprias dúvidas e
medos.
Um dia, enquanto Elias estudava um antigo tomo na biblioteca
da casa de Helena, Arthur entrou, visivelmente perturbado.
— Elias, você precisa vir comigo. Há algo que você deve ver
— disse ele, com urgência.
Elias seguiu Arthur até um velho casarão na periferia da
cidade. Lá, encontraram uma jovem mulher chamada Isadora, que implorava por
ajuda. Ela queria que Elias trouxesse de volta seu marido, Carlos, que havia
morrido afogado em um rio próximo.
— Por favor, senhor Elias. Ele era um homem bom, um
trabalhador honesto. Não sei como viver sem ele — disse ela, com lágrimas nos
olhos.
Elias prometeu investigar. Ele e Arthur foram até o local
onde Carlos morreu, conversaram com os vizinhos e descobriram que ele era muito
querido na comunidade. Não encontraram nada que indicasse que Carlos fosse uma
pessoa má. Sentindo-se confiante, Elias decidiu realizar o ritual.
Naquela noite, ao preparar o ritual, Elias sentiu novamente
a presença perturbadora. Mas desta vez, ele estava preparado. Com a ajuda de
Arthur, que conversava com os espíritos, Elias conseguiu identificar a fonte da
presença. Era um espírito vingativo, ligado ao rio onde Carlos morreu.
Arthur, em transe, comunicou-se com o espírito, que revelou
ter sido vítima de um crime cometido por um ancestral de Carlos. A vingança do
espírito havia se estendido através das gerações, resultando na morte de
Carlos.
— Precisamos libertar esse espírito antes de continuar —
disse Arthur, despertando de seu transe.
Elias e Arthur realizaram um ritual de apaziguamento,
libertando o espírito de sua tormenta. A sensação de opressão diminuiu, e Elias
finalmente pôde se concentrar em trazer Carlos de volta.
Com o ritual completo, Carlos abriu os olhos, respirando
fundo enquanto voltava à vida. Isadora chorou de alegria, abraçando-o com
força.
— Obrigado, senhor Elias. Você trouxe de volta meu mundo —
disse ela, entre soluços.
Elias sorriu, sentindo um alívio raro. Mas sabia que cada
vitória trazia consigo novas questões. O que mais ele não sabia sobre as vidas
que revivia? E que outras forças poderiam estar em jogo?
Enquanto os dias se passavam, Elias continuava a aprender e
a refletir sobre seu papel. A presença do Círculo lhe dava força, mas também o
fazia questionar mais profundamente a natureza de seus dons. A carta que o
trouxera até ali parecia agora um enigma a ser desvendado.
Uma noite, Helena reuniu todos os membros do Círculo.
— Temos uma nova missão — disse ela. — Recebemos uma
mensagem de um lugar distante, onde um grande mal está sendo revivido.
Precisamos agir antes que seja tarde demais.
Elias sentiu um calafrio. Ele sabia que essa missão poderia
ser a mais perigosa de todas, mas também a mais crucial.
O Círculo partiu ao amanhecer, viajando por dias até
chegarem a uma cidade remota, cercada por florestas densas. Lá, encontraram uma
comunidade em pânico, falando sobre uma figura sombria que havia voltado dos
mortos, espalhando terror e caos.
— Ele se chama Hector — explicou um dos aldeões. — Era um
tirano cruel, executado há décadas. Mas agora ele voltou, mais forte e
vingativo.
Elias e o Círculo sabiam que precisavam agir rapidamente.
Eles começaram a investigar, buscando informações sobre Hector e a maneira como
havia sido trazido de volta. Descobriram que um grupo de necromantes havia
realizado o ritual, buscando usar Hector como uma arma para seus próprios fins
sombrios.
— Precisamos encontrar esses necromantes e parar Hector
antes que seja tarde demais — disse Samuel, com firmeza.
O Círculo se dividiu em grupos, cada um com uma tarefa
específica. Elias e Helena ficaram encarregados de rastrear os necromantes,
enquanto Arthur e Marina buscavam proteger a comunidade e preparar defesas.
As pistas levaram Elias e Helena até uma antiga ruína nas
profundezas da floresta. Lá, encontraram um grupo de necromantes realizando um
ritual. Sem perder tempo, Elias e Helena intervieram, usando seus próprios
poderes para interromper o ritual e confrontar os necromantes.
Uma batalha intensa se seguiu. Os necromantes lançavam
feitiços sombrios, mas Elias e Helena, unidos, combatiam com determinação.
Finalmente, conseguiram derrotar os necromantes, rompendo o vínculo que
mantinha Hector no mundo dos vivos.
Entretanto, o confronto não foi sem perdas. Helena ficou
gravemente ferida, e Elias a carregou de volta à cidade, onde Arthur e Marina
fizeram o possível para tratá-la. A batalha deixara todos exaustos, mas também
mais unidos.
Enquanto cuidava de Helena, Elias refletia sobre tudo o que
havia aprendido e sobre os desafios que ainda enfrentaria. Sabia que o
equilíbrio entre a vida e a morte era frágil e que seu papel como revividor era
mais complexo do que jamais imaginara.
Com o tempo, Helena se recuperou, e o Círculo voltou à sua
missão contínua de proteger o equilíbrio do mundo. Elias sentia que, apesar dos
desafios, estava onde precisava estar. Com a ajuda do Círculo, ele continuaria
a navegar pelas águas turvas entre a vida e a morte, sempre buscando fazer o
bem e evitar o mal.
Mas as sombras do passado e as incertezas do futuro
continuavam a rondá-lo. Cada novo caso trazia novas perguntas, novos dilemas
morais, e Elias sabia que sua jornada estava longe de terminar. Ele continuaria
a andar pelo caminho incerto, com a esperança de que, um dia, encontraria todas
as respostas que procurava.
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