Lokan contra O Lich
Na vila sem nome, um estranho silêncio pairava no ar, como
se até o vento evitasse sussurrar pelos galhos das árvores. Elden, um guerreiro
elfo de feições austeras, ajustou sua armadura enquanto observava a pequena
aldeia à distância. Ao seu lado, a clériga Elza, com sua aura serena, fazia uma
prece silenciosa, pedindo orientação às divindades que servia. Lokan, o
meio-elfo meio-orc, descansava sua pesada espada no ombro, seus olhos
analisando a paisagem com desconfiança.
— O que sabemos até agora? — Elden perguntou, quebrando o
silêncio.
— Pessoas estão envelhecendo de forma acelerada, como se os
anos se condensassem em dias — respondeu Elza, seus olhos cheios de
preocupação. — Nenhuma cura conhecida parece funcionar. É como se a própria
vida estivesse sendo drenada delas.
— Magia antiga, talvez — sugeriu Lokan, franzindo o cenho. —
Algo poderoso o suficiente para corromper a própria essência do tempo.
Elden assentiu, pensativo. — Precisamos investigar a origem
disso. Algo está drenando a vida dessas pessoas, e está vindo da floresta.
Sem mais delongas, os três se dirigiram à densa floresta que
cercava a vila. A luz do sol, que antes banhava a vila com um brilho suave, foi
gradualmente engolida pelas sombras das árvores à medida que eles adentravam
mais fundo. O ar parecia pesado, carregado com uma energia sombria que fazia a
pele formigar.
— Sinto algo... uma presença maligna — murmurou Elza, sua
voz baixa e tensa.
— Está cada vez mais forte — acrescentou Lokan, apertando o
cabo de sua espada.
Conforme avançavam, a vegetação se tornava mais retorcida,
como se a própria floresta estivesse corrompida pela escuridão. Eles finalmente
chegaram a uma clareira, onde o ar era mais frio, e a terra estava enegrecida,
como se todo o vigor tivesse sido sugado dali.
No centro da clareira, erguia-se uma figura esquelética,
envolta em trapos que outrora poderiam ter sido vestes de um mago poderoso. O
lich, com sua carne murcha e ossos salientes, observava os intrusos com olhos
que brilhavam com uma luz doentia. Havia algo de profundamente perturbador na
forma como ele se movia, como se o próprio tempo hesitasse ao seu redor.
— Vocês ousam interromper minha busca pela eternidade? — a
voz do lich ecoou pela clareira, seca como o farfalhar de folhas mortas. — Eu,
que dominei o fluxo da vida e da morte, não serei detido por meros mortais!
— O que você fez com essa vila? — Elden exigiu,
desembainhando sua espada. — O que você fez com as pessoas?
O lich soltou uma risada vazia, que parecia sugar a alegria
do ar ao redor. — Eu absorvi o tempo delas, a essência de suas vidas, para
prolongar a minha. Cada segundo que passa é um segundo a mais para mim... e um
segundo a menos para eles.
Elza deu um passo à frente, brandindo seu símbolo sagrado. —
Em nome dos deuses, nós o impediremos! Sua profanação terminará aqui!
— Que os deuses tentem — respondeu o lich, levantando sua
mão esquelética. No instante seguinte, a clareira foi inundada por uma energia
sombria, e a batalha começou.
Lokan foi o primeiro a se mover, avançando com uma
velocidade surpreendente para alguém de sua constituição. Sua espada cortou o
ar com precisão, mirando o torso do lich. Mas, antes que a lâmina pudesse
atingir seu alvo, uma onda de energia necromântica emanou do lich, bloqueando o
golpe com um campo de força invisível.
— Sua força é insignificante — zombou o lich, enquanto movia
os dedos, convocando criaturas das sombras. Esqueletos e espíritos etéreos
emergiram do chão, cercando o trio.
Elden, com a agilidade típica de um guerreiro elfo, saltou
para trás, esquivando-se dos ataques das criaturas. Ele brandiu sua espada, que
brilhou com uma luz prateada ao ser imbuída com a magia de Elza, e avançou
novamente, desta vez com mais força. Sua lâmina cortou através dos esqueletos,
dispersando-os em nuvens de pó.
Elza, por sua vez, recitou palavras sagradas, invocando uma
barreira de luz ao redor deles. A barreira repelia os espíritos que tentavam
atacar, fazendo-os hesitar antes de se aproximar.
— Lokan, distraia-o! — Elden gritou enquanto se preparava
para um novo ataque. — Elza e eu precisamos de tempo para acabar com essas
criaturas!
Lokan assentiu e, com um rugido, lançou-se em direção ao
lich novamente. Ele sabia que não poderia derrotá-lo diretamente, mas sua força
bruta seria suficiente para manter o lich ocupado. Com um golpe poderoso, ele
acertou o chão ao lado do lich, fazendo a terra tremer. O lich, surpreso com a
força do meio-orc, recuou momentaneamente.
— Vocês são tolos de pensar que podem me vencer! — O lich
ergueu ambas as mãos, e a clareira começou a vibrar com uma energia sombria. Um
vórtice negro se formou acima de sua cabeça, crescendo em tamanho e
intensidade.
Elza, percebendo o perigo iminente, ergueu seu símbolo
sagrado e invocou a luz divina mais poderosa que conseguia. Um raio de luz
intensa disparou do céu, colidindo com o vórtice e tentando neutralizar a magia
do lich. Mas o poder do lich era vasto, e o confronto entre as duas energias
criou uma explosão de força que empurrou todos para trás.
Elden foi jogado contra uma árvore, mas rapidamente se
levantou, ignorando a dor. Ele viu que Lokan ainda estava enfrentando o lich de
frente, bloqueando seus ataques com sua espada, enquanto Elza lutava para
manter o vórtice sob controle.
— Precisamos encontrar o ponto fraco dele! — Elden gritou,
correndo para ajudar seus companheiros. — Não podemos simplesmente continuar
enfrentando-o de frente!
— O lich deve ter um filactério — respondeu Elza, sua voz
carregada de esforço enquanto mantinha a luz divina ativa. — É onde ele guarda
sua alma. Destruam o filactério, e ele não poderá mais se regenerar!
— Mas onde está? — Lokan perguntou, esquivando-se de um
feixe de energia negra disparado pelo lich.
Elden pensou rapidamente, seus olhos percorrendo a clareira
em busca de alguma pista. Ele sabia que o filactério de um lich poderia ser
qualquer coisa, desde um artefato comum até algo cuidadosamente escondido.
Foi então que ele notou algo estranho no centro da clareira,
onde o lich estava originalmente de pé. Um pequeno objeto, quase imperceptível
à primeira vista, estava meio enterrado no chão. Ele correu até o local,
ignorando os esqueletos que tentavam agarrá-lo.
Ao se aproximar, Elden viu que era uma pequena caixa de
metal, adornada com runas antigas e gastas. Ele soube imediatamente que aquela
era a chave para derrotar o lich.
— Aqui! — Elden gritou, chamando a atenção de Lokan e Elza.
Lokan, compreendendo a situação, desferiu um último golpe
poderoso no lich, forçando-o a recuar ainda mais, enquanto Elden se ajoelhava
ao lado da caixa. Ele puxou a tampa com todas as suas forças, mas ela estava
firmemente selada por alguma magia antiga.
— Elza! Preciso da sua ajuda! — Elden exclamou, sentindo a
energia sombria começar a se acumular ao seu redor.
Elza correu até ele, suas mãos ainda brilhando com a luz
divina. Ela colocou as mãos sobre a caixa, murmurando encantamentos para
enfraquecer a magia que a mantinha fechada. Lentamente, a tampa começou a
ceder, mas o esforço estava drenando suas forças.
Enquanto isso, Lokan continuava sua luta com o lich, mas ele
sabia que estava ficando sem tempo. O lich, mesmo enfraquecido, ainda era uma
força a ser temida, e suas criaturas sombrias continuavam a emergir do chão,
atacando implacavelmente.
Finalmente, com um último esforço conjunto, Elden e Elza
conseguiram abrir a caixa. Dentro, havia uma pequena joia, que pulsava com uma
luz sinistra. O filactério.
— Destruam-na! — gritou Elza, sua voz carregada de urgência.
Elden não hesitou. Ele ergueu sua espada e desceu-a com toda
a força sobre a joia. Quando a lâmina tocou o filactério, um grito agonizante
ecoou pela clareira. O lich, que estava prestes a lançar um ataque final contra
Lokan, congelou no lugar, seus olhos brilhando com um desespero que antes não
estava lá.
A joia se partiu em mil pedaços, e a energia que sustentava
o lich começou a dissipar-se. Sua forma esquelética começou a desmoronar, e os
esqueletos e espíritos ao seu redor desapareceram em fumaça.
O lich começou a se desintegrar, seu corpo esquelético
perdendo a coesão à medida que a energia que o mantinha unido se dissipava. Sua
voz, outrora carregada de arrogância e poder, agora se reduzia a sussurros
desesperados, como o último suspiro de uma tempestade antes de se dissipar
completamente.
— Não... não pode acabar assim... — murmurou ele, seus ossos
se desintegrando em pó. — Minha eternidade...
Mas antes que pudesse concluir sua maldição final, o lich
desapareceu, reduzido a nada mais que um amontoado de poeira negra, espalhada
pelo vento que agora começava a soprar na clareira.
O silêncio que se seguiu foi pesado, quase opressivo,
enquanto os três guerreiros permaneciam no lugar, tentando processar a
magnitude do que acabara de acontecer.
— Conseguimos... — murmurou Elden, a respiração pesada,
apoiando-se na espada para manter o equilíbrio.
— Sim... mas a que custo? — respondeu Elza, olhando para a
caixa aberta e os fragmentos do filactério. — Isso não acaba com a maldição. A
vida das pessoas que ele drenou não pode ser restaurada.
Lokan caminhou até eles, o cansaço evidente em seus olhos. —
Pelo menos a fonte do mal foi destruída. A vila pode ter paz, mesmo que os
danos sejam irreversíveis.
Elza assentiu, mas a tristeza ainda estava estampada em seu
rosto. — Vamos voltar. Devemos informar os anciãos da vila e ver o que pode ser
feito pelos sobreviventes.
Enquanto voltavam pela floresta, a atmosfera ao redor
parecia menos opressiva, como se a morte que permeava o ar tivesse finalmente
começado a se dissipar. Mas ainda havia um peso em seus corações, uma sensação
de que a vitória não fora completa.
Quando chegaram à vila, foram recebidos com olhares mistos
de alívio e desespero. Muitos haviam envelhecido décadas em questão de dias, e
embora o lich estivesse morto, os efeitos de sua magia ainda persistiam nos
corpos enfraquecidos dos aldeões.
Um ancião se aproximou deles, sua voz rouca e cheia de
gratidão. — Vocês derrotaram o monstro. Agradecemos de coração... mas muitos de
nós já estamos condenados.
Elden abaixou a cabeça em respeito. — Fizemos o que
podíamos. Infelizmente, o tempo que lhes foi roubado não pode ser devolvido.
O ancião assentiu, aceitando o amargo destino com a
resignação de quem já vivera muito. — Nós entendemos. Pelo menos agora, sabemos
que o mal foi erradicado e que as futuras gerações estarão a salvo. Isso já é
um consolo.
Elza estendeu as mãos sobre o ancião, murmurando uma bênção
para aliviar sua dor. Mas mesmo enquanto as palavras sagradas fluíam, ela sabia
que o peso dessa missão não sairia facilmente de sua alma.
— Precisamos descansar — sugeriu Lokan, quebrando o silêncio
que se seguiu. — Não podemos fazer mais nada por agora.
Os três heróis encontraram refúgio na pequena estalagem da
vila, onde o ambiente era carregado de uma melancolia palpável. O crepitar
suave do fogo na lareira parecia ser a única coisa viva naquele lugar.
— Isso não pode ser o fim — disse Elza, finalmente rompendo
o silêncio. — Existe algo mais, algo que não estamos vendo. Sinto isso.
— O lich está destruído. O que mais poderia haver? —
questionou Elden, sua voz cansada.
— O filactério foi quebrado, mas... e se não for o único? —
Elza ponderou, seus olhos fixos nas chamas. — Liches são astutos. E se ele
tiver escondido outro filactério, ou se ele tiver um aprendiz que continue sua
obra?
Lokan franziu o cenho, refletindo sobre as palavras de Elza.
— Faz sentido. Mas se houver outro filactério, como podemos encontrá-lo?
— Precisamos de respostas — Elden concluiu. — E para isso,
precisaremos buscar mais informações. Não podemos arriscar que esse mal renasça
em outro lugar.
No dia seguinte, os três guerreiros partiram novamente,
desta vez em direção a uma antiga biblioteca, conhecida por conter tomos de
conhecimento arcano. A viagem foi longa e cheia de obstáculos, mas eles sabiam
que o destino deles dependia do que pudessem descobrir.
A biblioteca era um lugar imponente, escondido no coração de
uma montanha. Ao entrar, eles foram recebidos por fileiras intermináveis de
livros, cada um contendo segredos esquecidos pelo tempo. O guardião da
biblioteca, um mago idoso com olhos brilhantes de sabedoria, os recebeu com um
sorriso enigmático.
— O que procuram, viajantes? — perguntou o mago, sua voz
suave e cheia de mistério.
— Precisamos de informações sobre liches e seus filactérios
— disse Elden, indo direto ao ponto.
O mago assentiu lentamente. — Vocês enfrentaram um grande
mal, pelo que vejo. Sigam-me, tenho algo que pode lhes interessar.
Eles seguiram o mago por corredores sinuosos até uma sala
isolada, onde um único livro repousava em um pedestal. O livro estava coberto
de poeira, mas o título ainda era legível: "A Arte de Enganar a
Morte".
— Este tomo contém os segredos dos liches e suas práticas
sombrias — explicou o mago. — Mas cuidado, pois o conhecimento nele contido é
perigoso. Muitos que tentaram desvendar seus mistérios acabaram sendo
consumidos por eles.
Elza pegou o livro com reverência, sentindo o peso de sua
responsabilidade. — Nós faremos o que for preciso para garantir que esse mal
não ressuscite.
De volta à estalagem, eles começaram a estudar o livro,
decifrando os textos antigos que revelavam os segredos dos liches. Cada página
parecia mergulhá-los mais fundo em um abismo de escuridão, mas eles
perseveraram, sabendo que era a única maneira de evitar uma nova tragédia.
Após horas de leitura, Elza finalmente encontrou o que
procurava. — Aqui está! Uma passagem sobre múltiplos filactérios. Diz que
alguns liches criam réplicas de seus filactérios principais, cada um guardando
uma fração de sua alma. Destruir um enfraquece o lich, mas enquanto os outros
existirem, ele não pode ser completamente destruído.
— Isso confirma nossos temores — disse Elden, seu rosto
sombrio. — Precisamos encontrar os outros filactérios antes que seja tarde
demais.
— Mas como? — perguntou Lokan, olhando para as complexas
instruções no livro. — Pode haver qualquer número deles, espalhados por
qualquer lugar.
— Há uma forma de localizá-los — disse Elza, apontando para
um ritual descrito no livro. — É perigoso e exige um grande sacrifício, mas é
nossa única esperança.
— Se é nossa única opção, então faremos o que for necessário
— respondeu Elden, determinado.
Eles passaram os dias seguintes reunindo os ingredientes e
preparando o ritual. Era uma tarefa árdua e cheia de perigos, mas a
determinação deles nunca vacilou.
Na noite do ritual, a lua estava cheia, banhando a floresta
ao redor da vila com uma luz pálida e misteriosa. O lugar escolhido para o
ritual era um círculo de pedras antigas, que pulsavam com uma energia arcana.
Elza, no centro do círculo, começou a recitar o
encantamento, sua voz ecoando pelo ar noturno. Elden e Lokan ficaram ao redor
dela, prontos para enfrentar qualquer ameaça que pudesse surgir.
Conforme o encantamento progredia, o ar ao redor deles
começou a vibrar, e uma luz espectral emergiu das pedras, formando uma figura
fantasmagórica. Era o espírito do lich, ou pelo menos uma parte dele, ainda
ligado ao mundo dos vivos através dos filactérios restantes.
— Vocês ousam me invocar novamente? — A voz do espírito era
cheia de ódio e desdém. — Mesmo na morte, minha vingança será terrível!
Elza, mantendo sua concentração, ignorou as ameaças e
continuou o ritual. A figura do lich começou a se desvanecer, mas não antes de
soltar um grito de fúria.
— Eu nunca serei verdadeiramente destruído! Vocês podem me
enfraquecer, mas sempre haverá outro filactério, outro lugar onde minha
essência estará segura!
Com um último gesto, Elza terminou o ritual, e a figura do
lich desapareceu, deixando apenas o eco de sua voz.
— Isso não foi uma vitória — disse Elden, seu rosto pálido.
— Apenas ganhamos tempo. Precisamos encontrar os outros filactérios antes que
ele possa se reconstituir completamente.
— Mas como faremos isso? — perguntou Lokan, olhando para o
vazio onde o espírito do lich estivera.
Elza fechou o livro, seu rosto marcado pela determinação. —
O ritual nos deu uma pista. Agora sabemos que existem outros filactérios.
Precisamos rastrear a energia deles e destruí-los, um por um. Somente então
teremos paz.
Eles sabiam que essa nova jornada seria longa e cheia de
perigos, mas estavam dispostos a enfrentar o que fosse necessário para garantir
que o mal do lich fosse erradicado de uma vez por todas.
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