Lokan contra O Duplicata

 


Na pequena vila sem nome, situada entre montanhas antigas e florestas densas, a tranquilidade era uma ilusão delicada, sustentada pela bravura de poucos. Entre esses poucos, estavam Elden, um guerreiro elfo de habilidades incomparáveis, Elza, uma clériga de grande poder, e Lokan, um meio elfo e meio orc conhecido por sua força bruta e destreza. Lokan vivia à margem da vila, em uma cabana de pedra e madeira, longe dos olhares desconfiados de alguns moradores. Apesar de sua reputação como um guerreiro imbatível, sua ascendência meio orc sempre levantava suspeitas entre os mais conservadores.

Naquele final de tarde, Lokan estava sentado em um banquinho rústico, afiando sua espada com um pedaço de pedra cinzenta. A lâmina longa e curva refletia os últimos raios de sol que atravessavam as copas das árvores. Ele trabalhava em silêncio, ouvindo apenas o som rítmico do metal sendo polido. A espada era uma extensão de seu braço, e ele cuidava dela como se fosse parte de seu próprio corpo.

De repente, o som de passos leves ecoou pela entrada da cabana. Ele parou por um momento, os ouvidos atentos. Não era o tipo de aproximação que esperaria de alguém hostil. Seus sentidos aguçados logo o informaram que quem se aproximava não representava uma ameaça imediata.

A porta rangeu ao ser empurrada lentamente, e ali, na entrada, estava Elza, a clériga da vila, vestida com suas habituais vestes brancas e douradas, um contraste gritante com o ambiente rústico e escuro da cabana de Lokan. No entanto, havia algo diferente nela. Era o cheiro.

Lokan levantou-se lentamente, observando-a com cautela. Seu olfato sempre fora um de seus sentidos mais desenvolvidos, uma herança de seu lado orc, e ele confiava cegamente nele. Elza tinha um perfume característico, uma mistura suave de ervas medicinais e flores silvestres, mas naquele momento, ele sentiu algo sutilmente diferente. Era quase imperceptível, mas definitivamente errado. Um odor metálico, que lembrava sangue, misturado com um leve aroma de podridão, algo que ele nunca havia associado à clériga.

— Elza? — ele perguntou, sua voz grave e desconfiada, mantendo a mão firmemente em torno do cabo da espada.

Ela deu um passo adiante, sorrindo suavemente, mas aquele sorriso não lhe pareceu correto. Era... forçado. Lokan apertou os olhos, seus instintos lhe alertando.

— Vim ver como está — disse ela, sua voz tranquila, mas havia um subtexto que Lokan não conseguiu ignorar.

Ele franziu o cenho, ainda sem relaxar. O cheiro, a postura, a maneira como ela se movia, tudo estava ligeiramente fora de lugar. Elza sempre fora graciosa, uma presença quase angelical, mas o que estava diante dele era uma imitação — uma imitação quase perfeita, exceto pelo cheiro e os detalhes sutis que apenas alguém como Lokan, acostumado a caçar e sobreviver em terrenos selvagens, poderia perceber.

— Está tudo bem? — Ela se aproximou um pouco mais, sua mão estendida na direção dele.

Lokan não respondeu de imediato. Em vez disso, ele deu um passo para trás, erguendo a espada entre eles, a lâmina agora completamente afiada e pronta para o combate.

— Algo está errado — disse ele, sua voz ficando ainda mais firme. — Você não é Elza.

A expressão da falsa Elza mudou imediatamente. O sorriso suave se transformou em algo mais cruel, mais predatório. Seus olhos brilharam com uma luz sinistra, e antes que Lokan pudesse reagir, ela lançou-se contra ele com uma velocidade impressionante.

Lokan bloqueou o ataque com sua espada, o impacto ressoando pela cabana. A força dela era sobre-humana, completamente diferente da clériga pacífica que ele conhecia. Ele tentou empurrá-la para longe, mas ela se moveu com a destreza de um caçador, golpeando-o com precisão. Lokan foi obrigado a recuar, sentindo o peso da batalha.

Ele girou a espada, tentando desferir um golpe mortal, mas a criatura, que agora estava clara como uma impostora, desviou com uma agilidade sobrenatural. Lokan rosnou baixo, seu lado orc começando a aflorar enquanto lutava. Ele não tinha dúvidas de que aquilo não era Elza, e seu único objetivo agora era destruí-la.

— Quem é você? — rugiu ele, sua espada brilhando enquanto cortava o ar.

A falsa Elza riu, uma risada fria e desumana que encheu o espaço estreito da cabana.

— Você nunca será capaz de me vencer, meio-elfo — sibilou ela. — Eu sou muito mais do que essa forma insignificante.

Lokan ignorou a provocação. Ele atacou novamente, desta vez mirando nas pernas da criatura. Ela saltou para trás, mas Lokan já estava preparado. Com um movimento rápido, ele girou a espada e a acertou de raspão no ombro, cortando profundamente. Um grito agudo ecoou pela cabana, e a impostora recuou, o sorriso cruel desaparecendo, substituído por raiva e dor.

A carne de onde o golpe havia cortado começou a se contorcer, e, aos poucos, a ilusão que a cobria começou a desmoronar. Lokan viu a pele de Elza se deformar e se distorcer, revelando uma criatura de aspecto grotesco, algo entre uma sombra e uma carcaça ressecada, coberta por uma pele fina e brilhante.

— Maldita seja! — Lokan rosnou, avançando com sua espada em chamas de fúria.

A criatura recuou, mas, mesmo assim, não parecia disposta a desistir. Com um último olhar ameaçador, ela virou-se e saltou pela janela da cabana, desaparecendo nas sombras da floresta antes que Lokan pudesse persegui-la.

Lokan respirou fundo, ainda em estado de alerta. O cheiro pútrido da criatura ainda pairava no ar. Ele sabia que aquela coisa voltaria, mas por ora, sua prioridade era outra. Ele precisava encontrar a verdadeira Elza.

Lokan se apressou pelas ruas da vila, o crepúsculo agora mergulhando tudo em sombras. O vento trazia consigo o cheiro familiar da terra e das árvores, mas, entre esses aromas, ele captou algo mais: o verdadeiro cheiro de Elza.

Seguindo seu faro, Lokan atravessou a vila até a clareira onde Elza costumava meditar e buscar suas forças na natureza. Quando chegou lá, viu a verdadeira Elza, amarrada a uma árvore com cordas mágicas, suas vestes sujas e rasgadas, mas ela estava viva.

— Lokan! — exclamou Elza, seus olhos arregalados, aliviada ao vê-lo.

Lokan rapidamente cortou as amarras com sua espada, libertando-a.

— Você está ferida? — ele perguntou, ajudando-a a se levantar.

— Não, mas aquela coisa... me atacou enquanto eu estava aqui — explicou Elza, ofegante. — Era uma criatura da escuridão, um demônio disfarçado. Ela roubou minha aparência.

— Eu sei — disse Lokan, com um meio sorriso. — Mas percebi que não era você. O cheiro estava errado.

Elza o olhou, surpresa, mas logo sorriu, aliviada.

— Obrigada, Lokan. Você chegou a tempo.

Antes que pudessem trocar mais palavras, um som de farfalhar nas árvores chamou a atenção de ambos. A criatura que havia fugido estava de volta, agora acompanhada por outras sombras semelhantes, movendo-se nas bordas da clareira. Lokan segurou sua espada com firmeza, e Elza começou a murmurar palavras de proteção e cura, preparando-se para a batalha final.

Lokan e Elza se mantinham em guarda, os olhos atentos às sombras que cercavam a clareira. As criaturas demoníacas pareciam deslizar entre as árvores, seus olhos brilhando com malícia enquanto rondavam o par. A atmosfera era densa, sufocante. A verdadeira Elza já havia iniciado encantamentos de proteção, mas eles sabiam que sozinhos não conseguiriam lidar com o ataque iminente.

De repente, um som familiar cortou o silêncio. Entre as árvores, Elden surgiu, movendo-se com a graça e destreza que apenas um guerreiro elfo como ele poderia exibir. A armadura de couro escuro ajustava-se perfeitamente ao seu corpo, e em suas mãos, a longa espada cintilava à luz fraca do crepúsculo.

— Elden! — gritou Elza, aliviada ao vê-lo.

Lokan, no entanto, permaneceu em silêncio, seus sentidos ainda aguçados. Ele cheirou o ar, tentando captar qualquer anomalia no odor familiar do amigo. Antes que pudesse reagir, outro movimento no lado oposto da clareira fez o sangue de Lokan gelar.

Outro Elden apareceu.

— Mas que... — murmurou Lokan, estreitando os olhos.

Os dois Elden se encararam com expressões de surpresa, e então, simultaneamente, apontaram suas espadas um para o outro.

— Ele é o impostor! — gritou o primeiro Elden, com a voz firme, sua expressão rígida.

— Não, ele é o impostor! — retrucou o segundo Elden, com igual intensidade.

Lokan sabia que não poderia confiar no que via. O primeiro Elden era uma cópia perfeita do segundo — os mesmos traços, a mesma armadura, até mesmo a maneira de falar. Elza, de olhos arregalados, olhava de um para o outro, incapaz de discernir a verdade. O momento de incerteza parecia durar uma eternidade, até que Lokan, com seus instintos aguçados, deu um passo à frente.

— Parem! — rugiu Lokan, sua voz grave dominando a clareira.

Os dois Elden se voltaram para ele, mas Lokan não se moveu. Ele respirou fundo e cheirou o ar novamente, ignorando o tumulto ao redor. Um deles era o verdadeiro Elden. E um detalhe faria toda a diferença: o cheiro.

O ar carregava o cheiro do couro, da madeira e do aço da armadura, mas havia algo mais. Assim como havia acontecido com a falsa Elza, o impostor exalava uma leve fragrância de podridão, algo que apenas Lokan poderia perceber. Ele concentrou-se, permitindo que seus sentidos mais primitivos o guiassem.

Lentamente, ele se aproximou dos dois Elden, caminhando em um círculo em torno deles, sua espada em punho. Cada passo era medido, e sua expressão, impenetrável.

— Lokan? — perguntou o primeiro Elden, com uma leve hesitação na voz. — Sou eu. O verdadeiro. Sabe disso.

Lokan não respondeu. Em vez disso, ele continuou seu círculo, até finalmente parar entre os dois. Por um breve momento, ele olhou para ambos, seus olhos semicerrados.

Então, com um movimento súbito, ele apontou sua espada para o segundo Elden.

— Você é o impostor — afirmou Lokan, com uma convicção fria.

O Elden apontado estreitou os olhos, e por um segundo, sua expressão amigável se distorceu em algo mais sombrio.

— Está cometendo um erro, meio-orc — sibilou o impostor, sua voz agora mais grave e ameaçadora.

Lokan não hesitou. Com um rugido, ele avançou sobre o impostor, desferindo um golpe rápido com sua espada. O falso Elden bloqueou o ataque com sua lâmina, e o impacto entre as espadas ressoou pela clareira como o choque de trovões. A força do impostor era surpreendente, e ele contra-atacou com velocidade, desferindo uma série de golpes rápidos.

Lokan mal conseguiu desviar dos ataques. Apesar de sua agilidade, o impostor era quase tão habilidoso quanto o verdadeiro Elden. As lâminas cintilavam enquanto se chocavam repetidamente, o som do metal ecoando pela floresta. Lokan usava toda sua força para manter o impostor à distância, mas o falso Elden lutava com uma fúria sobrenatural, como se cada golpe fosse alimentado por um ódio profundo.

A batalha continuava feroz, e Lokan percebeu que a criatura estava ficando mais rápida, seus movimentos cada vez mais imprevisíveis. A cada segundo, o impostor parecia se adaptar, imitando os movimentos de Elden com uma precisão assustadora. Lokan, no entanto, não estava lutando apenas com sua força; ele estava observando, aguardando a fraqueza inevitável.

— Elden! — gritou Elza de repente, sua voz carregada de preocupação. — Use sua luz!

O verdadeiro Elden, que até então observava, compreendeu o que precisava ser feito. Ele ergueu sua espada em um gesto rápido, e com um grito de batalha, invocou uma antiga habilidade élfica. Sua lâmina brilhou intensamente, emitindo uma luz ofuscante que envolveu toda a clareira. O impostor, ao ser atingido pela luz, recuou, seu corpo começando a se contorcer e a sua aparência a oscilar entre o falso Elden e uma criatura horrenda de sombras.

Lokan aproveitou o momento de fraqueza. Com um grito de guerra, ele avançou com toda sua força, desferindo um golpe devastador que atingiu o peito do impostor, atravessando a falsa armadura. A criatura soltou um grito agudo, sua voz distorcida e grotesca, enquanto o corpo ilusório se desintegrava diante deles. O impostor se dissolveu em sombras e fumaça, desaparecendo completamente.

A clareira ficou em silêncio por alguns instantes, o único som sendo o da respiração pesada de Lokan. Ele limpou o suor da testa com as costas da mão e olhou para o verdadeiro Elden, que ainda estava envolto pela luz de sua espada.

— Obrigado, Lokan — disse Elden, com um sorriso cansado. — Você salvou nossas vidas.

Lokan assentiu, ainda recuperando o fôlego.

— O cheiro estava errado — murmurou ele. — Sempre está.

Elza aproximou-se, sua expressão aliviada e grata. Com um gesto suave, ela tocou o ombro de Lokan, murmurando um feitiço de cura para aliviar qualquer dor ou ferimento que ele pudesse ter sofrido na batalha.

— Ainda não acabou — disse Elza, olhando ao redor da clareira. — Há mais dessas criaturas por aí. Elas estão se espalhando. Precisamos encontrar a fonte dessa corrupção.

— Concordo — disse Elden, balançando a cabeça. — Não podemos deixar que essas criaturas continuem se infiltrando em nossa vila.

Lokan olhou para os dois, sua espada ainda firme em suas mãos.

— Então vamos caçar — disse ele, com um brilho determinado nos olhos.

Eles se prepararam para seguir em frente, sabendo que a verdadeira ameaça ainda estava à espreita nas sombras da floresta. A batalha contra o impostor fora apenas o começo. O perigo que se aproximava era muito maior do que qualquer um deles poderia imaginar.

Os três guerreiros caminharam em silêncio pelas árvores, seus sentidos atentos a qualquer sinal de movimento. A floresta ao redor da vila parecia ter se tornado mais sombria, como se a própria natureza estivesse sendo corrompida pelas criaturas que a habitavam.

Lokan liderava o caminho, sua percepção aguçada guiando-os. Elden e Elza seguiam logo atrás, prontos para qualquer ataque. O silêncio da floresta era inquietante, e cada sombra parecia esconder um inimigo potencial.

Eles sabiam que estavam indo em direção à fonte do mal. Algo estava manipulando as criaturas, enviando-as para atacar a vila e se infiltrar entre os moradores. Lokan não sabia o que era, mas estava preparado para enfrentá-lo.

Enquanto avançavam, um frio estranho começou a envolver a floresta, como se a própria terra estivesse envenenada pela escuridão.

— Estamos perto — disse Lokan, sentindo o cheiro pútrido se intensificar.

Eles pararam ao avistar uma caverna adiante, uma abertura negra e sinistra na base de uma colina. De dentro, emanava um cheiro insuportável de morte e corrupção.

— Lá dentro — disse Elden, sua mão apertando o punho da espada.

Lokan assentiu, preparando-se para o confronto final. Eles sabiam que a batalha dentro daquela caverna decidiria o destino da vila...

 

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Titã: Capítulo: 54