Os Malditos da Terra: Parte: 02

 


"Não faça isso," ele disse, a voz firme e controlada. "Fique onde está."

Jorge ficou confuso, suas emoções em conflito. "Mas você não ouviu? Alguém está pedindo socorro! Precisamos fazer alguma coisa!"

O homem com a espingarda apertou o ombro de Jorge com mais força, quase o empurrando de volta para a cama. "Não é uma pessoa lá fora," ele disse, os olhos sombrios. "São eles. Os seres que vivem debaixo da terra. Eles conseguem imitar a voz humana para enganar a gente."

Jorge sentiu um arrepio percorrer sua espinha. "O quê? Como assim imitam a voz humana?" Ele olhou para a porta, onde os gritos continuavam, cada vez mais desesperados, ecoando pelo ar frio da noite.

"Essas criaturas são inteligentes, de um jeito que a gente mal entende," respondeu o homem, baixando a voz para que apenas Jorge pudesse ouvi-lo. "Eles aprenderam que os humanos são compassivos, que respondem aos gritos de socorro. Então, eles usam isso contra nós. Fazem esses sons para nos atrair para fora, para nos levar direto para as suas garras."

Jorge sentiu o estômago se revirar. Ele olhou para os outros no abrigo e viu a mesma expressão de pavor e resignação nos rostos deles. Ninguém se movia, ninguém respondia aos gritos de fora. Todos sabiam que aquilo era uma armadilha mortal.

Os gritos continuaram, mais frenéticos, como se a pessoa lá fora estivesse sendo arrastada para a escuridão. "Não me deixem aqui! Eles estão vindo! Por favor, não!" O som da voz rachou, transformando-se em um choro engasgado que soava tão verdadeiro que quase fez Jorge se levantar novamente. Era uma voz desesperada, que parecia tão humana, tão real.

"É assim que eles nos pegam," continuou o homem com a espingarda, mantendo seu olhar fixo em Jorge. "Primeiro, te fazem acreditar que é uma pessoa em perigo. E quando você sai para ajudar, eles te cercam. E então, é o fim."

Jorge se afundou na cama, seu coração batendo como um tambor descontrolado. Ele não conseguia acreditar que algo tão monstruoso poderia ser tão astuto, tão calculista. A ideia de que os gritos de fora não eram de uma pessoa, mas de algo imitando uma pessoa, tentando enganá-los, era quase mais aterrorizante do que os próprios seres em si.

A voz do lado de fora começou a mudar, os gritos se transformando em algo mais grave, mais distorcido, como se estivesse se decompondo em um ruído gutural. Jorge ouviu um som que parecia uma risada baixa e gorgolejante, como se as criaturas tivessem percebido que seus truques não haviam funcionado desta vez.

"Você precisa entender uma coisa," disse a mulher de cabelo grisalho, que se aproximou silenciosamente e agora falava com Jorge. "Esses seres são antigos. Eles sabem como jogar com a nossa mente, como usar nossas próprias fraquezas contra nós. Eles já enganaram muitos antes de você, e não vão parar até que todos nós sejamos destruídos ou capturados."

Jorge olhou para a porta trancada do abrigo e se perguntou quanto tempo mais eles conseguiriam resistir. Ele estava cercado por pessoas que já estavam há muito tempo lidando com aquele pesadelo, e, no entanto, parecia que cada noite era uma batalha nova, um teste de resistência contra as criaturas que se escondiam na escuridão.

As luzes fracas do abrigo tremeluziram, e Jorge sentiu a presença esmagadora da noite, como se a própria escuridão estivesse tentando invadir o lugar seguro onde estavam. Ele sabia que precisava ser forte, que não podia ceder ao medo ou às ilusões dessas criaturas. Mas cada grito, cada som lá fora, parecia tentar rasgar sua sanidade, lembrando-o de que estava preso em uma cidade aonde o terror vinha não apenas do que se via, mas do que se ouvia.

Ele se deitou novamente, os olhos abertos, fitando o teto. As vozes lá fora começaram a se afastar, mas ele sabia que isso não significava que estavam seguros. Eles voltariam, sempre voltariam. E na próxima vez, quem sabe, poderiam ser ainda mais convincentes.

Quando o sol finalmente surgiu no horizonte, espantando a escuridão e o terror da noite anterior, Jorge e o grupo emergiram do abrigo, exaustos e ainda abalados. O alívio por terem sobrevivido mais uma noite foi breve, substituído rapidamente pela realidade de que precisavam encontrar suprimentos para continuar vivos. As criaturas podiam ser uma ameaça constante, mas a fome era um inimigo que não podiam ignorar.

Enquanto caminhavam pela cidade desolada, tentando encontrar algo útil, um dos membros do grupo, uma mulher de olhos atentos e feições marcadas pela luta constante, apontou para um objeto grande ao virar de uma esquina: um caminhão de entrega parado no meio da rua. O veículo estava inclinado para um lado, como se tivesse sido abandonado em grande pressa.

"Olhem ali," ela disse, a voz baixa e tensa. "Parece que tem comida naquele caminhão."

O grupo inteiro se aproximou, e Jorge sentiu um misto de esperança e apreensão. Se havia comida naquele caminhão, seria uma descoberta valiosa para todos eles. No entanto, conforme se aproximavam, ele notou algo que fez seu estômago revirar — manchas escuras de sangue estavam espalhadas ao redor do veículo, como se alguém tivesse tentado lutar por sua vida antes de ser arrastado para longe.

O homem com a espingarda, que parecia ser o líder não oficial do grupo, levantou uma mão para sinalizar que todos parassem. Ele olhou para Jorge, seus olhos endurecidos pela experiência. "Precisamos ser cuidadosos. Essas manchas de sangue... Pode ser uma armadilha."

Jorge assentiu, entendendo o perigo, mas seu estômago roncava de fome, lembrando-o de que eles precisavam daquela comida, independentemente do risco. Com cautela, eles se aproximaram ainda mais do caminhão, mantendo um olhar atento para os arredores.

A porta traseira do caminhão estava entreaberta, e dentro dele havia caixas empilhadas, muitas delas etiquetadas como provisões de comida. Jorge pôde ver pacotes de arroz, latas de sopa, garrafas de água — um verdadeiro tesouro para quem estava enfrentando escassez de suprimentos.

"O que vocês acham?" perguntou Jorge, tentando manter a voz calma, apesar do medo crescente.

O homem com a espingarda olhou ao redor novamente, examinando cada canto, cada sombra. "Eu acho que não temos escolha," ele respondeu finalmente. "Vamos pegar o que pudermos, mas rápido."

Eles começaram a retirar as caixas do caminhão, cada movimento cauteloso e medido. Jorge não conseguia afastar o desconforto de sua mente — aquela sensação de que estavam sendo observados, de que o sangue em torno do caminhão era um aviso de algo terrível à espreita.

Enquanto carregavam as caixas, Jorge se aproximou de uma das manchas de sangue e notou que estava fresca, como se o que quer que tivesse acontecido ali tivesse ocorrido há poucas horas. Ao lado da mancha de sangue, ele encontrou uma pegada, mas não era uma pegada comum. Era grande demais, com marcas estranhas que se espalhavam em direções irregulares, como se pertencessem a uma criatura que não deveria existir.

De repente, um ruído baixo e contínuo veio do interior do caminhão, como um som de algo se arrastando ou roçando contra as paredes de metal. Todos pararam no mesmo instante, seus corpos congelados pelo medo. O som ficou mais alto, transformando-se em um rosnado gutural, algo que parecia vir de um pesadelo.

"Tem alguma coisa aí dentro," sussurrou a mulher de olhos atentos, dando um passo para trás, com a mão tremendo no cabo de uma faca.

Jorge sentiu o sangue gelar em suas veias. Ele deu um passo para trás também, sem desviar os olhos do caminhão. O rosnado cresceu, reverberando no ar ao redor deles, e então, de repente, uma mão ossuda e distorcida se projetou para fora da sombra do caminhão, seus dedos longos e afiados como garras.

Era uma daquelas criaturas — mas diferente das que tinham visto à noite. Essa parecia estar parcialmente mutilada, com carne e ossos expostos e uma boca que se abria em um sorriso grotesco e desumano. Ela olhou para eles com olhos que brilhavam de uma maneira antinatural, faminta e furiosa.

"Corram!" gritou o homem com a espingarda, e todos se moveram ao mesmo tempo, jogando as caixas de comida para longe e se afastando do caminhão o mais rápido possível.

A criatura saiu do caminhão, movendo-se de uma maneira inumana, rastejando e se arrastando com um propósito implacável. Ela avançava sobre eles com uma rapidez assustadora, seu sorriso grotesco se alargando, como se estivesse se divertindo com o pavor que causava.

Jorge sentiu o pânico subir à sua garganta enquanto corria junto com os outros, o som dos rosnados da criatura cada vez mais próximos. Eles se espalharam pelas ruas, mas mesmo em meio ao caos, ele podia ouvir claramente um som inconfundível — as risadas das criaturas que os espreitavam.

Enquanto corriam, Jorge teve um último vislumbre do caminhão e notou algo que o aterrorizou ainda mais: dentro dele, mas dessas criaturas estavam se movendo, acordando de seu estado de torpor. Elas estavam se levantando, suas formas distorcidas e cheias de ódio virando em direção a eles, prontas para caçar.

Eles haviam caído em uma armadilha, afinal. E a cidade, com suas ruas desertas e seu silêncio mortal, parecia estar rindo deles.

Jorge correu com toda a força que tinha, o coração batendo descontroladamente em seu peito. O som das criaturas se aproximando enchia seus ouvidos, e ele sentia como se cada sombra ao seu redor pudesse saltar e agarrá-lo a qualquer momento. Os outros membros do grupo também estavam correndo, alguns gritando, outros em silêncio, focados apenas em fugir.

Eles se dispersaram pelas ruas da cidade, tentando encontrar algum lugar para se esconder. Jorge seguiu um pequeno grupo que correu para um prédio abandonado, com janelas quebradas e portas arrancadas. Eles se atiraram para dentro, respirando com dificuldade, e rapidamente empilharam o que puderam na entrada para bloquear o caminho das criaturas.

O líder do grupo, ainda segurando firmemente sua espingarda, olhou ao redor, os olhos selvagens de medo e tensão. "Isso não vai segurá-las por muito tempo," ele disse, a voz baixa e trêmula.

Jorge se encostou na parede, tentando recuperar o fôlego. Ele olhou para o líder e perguntou: "O que são essas coisas? Por que estavam no caminhão? Elas nos emboscaram de propósito?"

O líder sacudiu a cabeça lentamente, como se não quisesse acreditar no que estava acontecendo. "Eu não sei," respondeu ele. "Nunca vimos essas coisas durante o dia antes. Elas sempre saem à noite, como se a luz do sol as machucasse. Mas agora... parece que elas estão mudando, se adaptando."

O grupo caiu em um silêncio tenso, apenas o som de suas respirações ecoando pelo espaço escuro e apertado. Então, ouviram algo — um arranhão na porta, seguido por um rosnado baixo e ameaçador. Todos congelaram. As criaturas estavam lá fora, tentando entrar.

De repente, o som mudou. Não era mais apenas o arranhar, mas sim uma batida rítmica, como se algo estivesse usando uma ferramenta ou uma pedra para golpear a porta. Jorge trocou olhares com os outros, e seus rostos espelhavam o mesmo terror. As criaturas não estavam mais agindo como simples predadores — estavam sendo metódicas, como se tivessem alguma inteligência guiando seus movimentos.

"Elas estão tentando nos forçar a sair," disse a mulher de olhos atentos, apertando ainda mais a faca em suas mãos. "Querem nos encurralar."

Jorge sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Se as criaturas realmente estavam desenvolvendo uma forma de inteligência ou estratégia, isso significava que a cidade inteira estava se tornando uma armadilha muito mais perigosa do que ele poderia imaginar. Eles estavam em território inimigo, cercados por algo que aprendia, que se adaptava, e que tinha um propósito claro: caçá-los.

"Precisamos sair daqui," disse Jorge, a voz falhando um pouco. "Não podemos ficar presos neste prédio. Elas vão nos pegar."

O líder do grupo concordou com um movimento de cabeça e começou a olhar ao redor, procurando uma rota de fuga. Havia uma escada que levava ao segundo andar, onde talvez pudessem pular por uma janela ou encontrar uma saída para o telhado. Sem outra opção, todos começaram a subir, fazendo o máximo de silêncio possível.

Quando chegaram ao andar superior, Jorge espiou por uma janela quebrada e viu o que temia. As ruas da cidade estavam cheias de sombras movendo-se lentamente. As criaturas estavam por toda parte, saindo de becos, emergindo de portas e até de buracos no chão, como se a terra as estivesse vomitando para a superfície. Era um cerco completo.

"Estamos cercados," sussurrou um dos membros do grupo, a voz carregada de desespero. "Elas estão por toda parte!"

O líder olhou para o grupo com uma expressão sombria. "Precisamos nos preparar para lutar," disse ele, a voz cheia de determinação. "Se não podemos sair, então temos que fazer com que elas lutem para nos pegar."

De repente, uma explosão de vidro estilhaçado ecoou pelo ambiente. Uma das criaturas havia quebrado uma janela no andar inferior e agora estava rastejando para dentro, seus olhos brilhando com um ódio cego e insaciável. Jorge pegou um pedaço de madeira caído no chão, preparando-se para se defender.

A criatura avançou, seus movimentos desajeitados mas rápidos, como um predador faminto que não se importava com sua própria dor. O líder atirou com a espingarda, o som do disparo ecoando como um trovão no prédio vazio. A bala acertou a criatura no peito, mas não a desacelerou; ela continuou avançando, agora com um buraco aberto e sangrando em seu torso.

"Essas coisas são resistentes demais!" gritou Jorge, tentando desesperadamente manter a criatura à distância com golpes de madeira. "O que precisamos fazer para pará-las?"

O líder do grupo recarregou a espingarda com mãos tremendo. "Eu não sei," ele disse, a voz quase se quebrando. "Mas uma coisa é certa: isso não vai acabar bem."

Mais criaturas começaram a invadir o andar inferior, e os sons de seus rosnados e passos rastejantes enchiam o ar. Cada membro do grupo lutava como podia, mas a sensação de desespero crescia a cada segundo que passava. Jorge sabia que não poderiam segurar por muito tempo.

Então, no meio do caos, Jorge teve uma ideia desesperada. "E se incendiarmos o prédio?" ele gritou para o grupo. "Pode ser nossa única chance de escapar!"

A mulher de olhos atentos olhou para ele com uma mistura de medo e esperança. "Isso é loucura," disse ela, mas então seu olhar mudou, endurecido pela determinação. "Mas talvez seja a única maneira."

O líder hesitou por um momento, então assentiu. "Façam isso," disse ele. "Se vamos cair, que seja lutando."

Com essa decisão, todos começaram a procurar algo inflamável, algo que pudesse transformar o prédio em uma barreira de chamas entre eles e as criaturas. Jorge encontrou um velho galão de gasolina no canto do quarto, e sem pensar duas vezes, começou a espalhar o líquido pelo chão.

Enquanto trabalhavam freneticamente para preparar o incêndio, as criaturas continuavam a se aproximar, seus rosnados se tornando mais altos e mais ameaçadores. Jorge sabia que estavam correndo contra o tempo, e que qualquer erro poderia significar o fim de todos ali.

A noite havia caído, e Jorge sentia o ar gelado arrepiar sua pele. Com a arma em punho, ele avançava cautelosamente pela cidade deserta, onde cada ruído parecia ser amplificado pelo silêncio opressivo. As sombras ao redor pareciam vivas, dançando e se movendo como se tentassem esconder algo no escuro. Ele sabia que estava arriscando muito ao sair assim, mas não podia simplesmente deixar alguém para trás.

O pequeno grupo que havia ficado na base reforçada estava tenso, cada um olhando para fora das janelas barricadas, esperando pelo inevitável ataque das criaturas que saíam durante a noite. As criaturas eram como um pesadelo encarnado, surgindo da terra para caçar qualquer coisa que ousasse cruzar seu caminho. Jorge sabia que precisavam se preparar para mais uma noite de horror.

Finalmente, ele encontrou a pessoa que estava procurando — era o jovem chamado Rafael, um dos mais novos do grupo, que tinha saído para buscar mantimentos e nunca mais voltou. Ele estava encostado contra uma parede, os olhos arregalados de medo, mas ainda respirando. Quando Jorge se aproximou, Rafael levantou a cabeça e sussurrou: "Elas... estão perto."

Antes que Jorge pudesse responder, o som de um rosnado baixo e gutural cortou o ar. Ele virou-se rapidamente, apontando a arma para a escuridão, os olhos tentando penetrar as sombras. Nada se movia, mas ele sabia que não estavam sozinhos. As criaturas estavam lá, escondidas, observando, esperando pelo momento certo para atacar.

"Precisamos voltar para a base, agora," Jorge disse, agarrando o braço de Rafael e puxando-o para se levantar. Mas, no momento em que começaram a se mover, um brilho de olhos vermelhos apareceu na escuridão à sua frente. Era como se as criaturas estivessem cercando-os, uma presença ameaçadora que os prendia como presas em uma armadilha.

"Corre!" Jorge gritou, e os dois dispararam pela rua, o som de passos arrastados e rosnados os perseguindo. Eles corriam como se suas vidas dependessem disso — e realmente dependiam. As sombras ao redor pareciam se esticar, tentando agarrá-los, enquanto mais olhos vermelhos surgiam de todos os lados.

Quando finalmente chegaram à base, ofegantes e desesperados, os outros abriram a porta apenas o suficiente para deixá-los entrar. Assim que passaram pela entrada, fecharam e reforçaram a barricada, usando tudo que podiam para bloquear o caminho das criaturas. Lá fora, os rosnados se intensificaram, um som que parecia zombar de seus esforços.

Rafael caiu no chão, exausto, e Jorge sentiu a adrenalina começar a diminuir, substituída por uma sensação fria de pavor. Ele sabia que a noite estava apenas começando, e que as criaturas não desistiriam tão facilmente. Todos no abrigo estavam tensos, segurando suas armas improvisadas, esperando pelo momento em que a porta não aguentaria mais.

Um dos sobreviventes, uma mulher de cabelos curtos e olhos escuros, se aproximou de Jorge. "Você acha que conseguiremos passar por esta noite?" ela perguntou, a voz tremendo ligeiramente.

Jorge olhou para ela, vendo a mesma dúvida e medo que sentia refletidos nos olhos dela. "Eu não sei," respondeu ele, sincero. "Mas vamos lutar. Não podemos deixar essas coisas nos derrotarem."

De repente, ouviram o som de algo pesado batendo contra a porta. Um impacto forte, seguido por outro. As criaturas estavam tentando forçar a entrada, e cada golpe parecia mais poderoso, mais determinado. Todos se alinharam, prontos para o pior, seus corações batendo como tambores de guerra.

Então, um som diferente encheu o ar — um som de vozes. Voando através da escuridão, eles ouviram pedidos de socorro, gritos que pareciam vir de pessoas presas do lado de fora. "Por favor, nos ajudem! Estamos feridos! Deixem-nos entrar!"

Jorge sentiu um calafrio correr por sua espinha. Ele lembrou das palavras de aviso que recebeu: as criaturas imitavam vozes humanas, usando-as para enganar suas vítimas. Ele olhou para os outros no abrigo, e todos pareciam estar pensando a mesma coisa.

"Não podemos abrir," disse Jorge, balançando a cabeça lentamente. "Não sabemos se são pessoas ou se é um truque."

Um dos sobreviventes, um homem mais velho e de aparência cansada, hesitou. "E se forem pessoas de verdade? E se estivermos deixando alguém para morrer lá fora?"

Antes que pudessem discutir mais, a porta de repente explodiu em pedaços, arremessando madeira e metal pelo ar. Uma das criaturas conseguiu forçar a entrada, lançando-se para dentro com uma velocidade sobrenatural. Era uma visão horrível — pele pálida e retorcida, olhos que brilhavam com uma maldade primitiva, e uma boca cheia de dentes afiados e irregulares.

Jorge atirou contra a criatura sem hesitar, os disparos ecoando pelo abrigo. O monstro gritou, um som que parecia ser uma mistura de dor e raiva, mas não parou de avançar. Mais criaturas começaram a se aglomerar na entrada destruída, empurrando-se para dentro.

O caos tomou conta. Todos no abrigo lutavam como podiam, usando qualquer arma que tivessem à disposição. Jorge sentiu uma mão fria agarrar seu braço e, em um reflexo, girou a arma para golpear a criatura que o segurava. Ele a atingiu no rosto, mas ela apenas rosnou mais alto, como se a dor a fortalecesse.

Enquanto as criaturas invadiam o abrigo, Jorge percebeu que a situação estava piorando. Eles estavam sendo superados em número e em força. Precisavam de um novo plano, algo para afastar as criaturas ou, pelo menos, criar uma chance de fuga.

Ele gritou para os outros: "Precisamos recuar para o segundo andar! Use tudo que puder para atrasá-los!"

O grupo começou a se mover apressadamente, alguns lutando para manter as criaturas afastadas enquanto outros subiam as escadas. Jorge sabia que se não encontrassem uma maneira de segurar aquelas coisas, a noite seria o fim para todos eles.

No segundo andar, a luz era fraca, apenas algumas lanternas tremeluziam, criando sombras que pareciam se esticar e se contorcer nas paredes. Jorge e os outros se espalharam pelo espaço, tentando encontrar uma maneira de barricar a escada. A atmosfera estava carregada de desespero, e o cheiro do medo pairava no ar.

"Rápido, ajudem a empurrar esta mesa contra a porta!" Jorge gritou, gesticulando para um grupo de sobreviventes que se aproximava. Eles correram para ajudá-lo, arrastando uma mesa pesada e colocando-a em frente à porta. Enquanto isso, o som de grunhidos e batidas continuava a ecoar pela casa, como se as criaturas estivessem se preparando para invadir o andar superior.

"Jorge, você tem que ver isso," disse a mulher de cabelos curtos, que havia estado ao seu lado durante a luta. Ela estava apontando para um canto escuro da sala, onde uma pequena janela se abria para o vazio da noite.

"Não temos tempo para isso!" Jorge respondeu, mas a expressão no rosto dela o fez hesitar. Ela se inclinou mais perto da janela, e Jorge percebeu que a luz da lanterna revelava algo que parecia ser um pequeno telhado que levava a um beco entre duas casas.

"Se conseguirmos sair por aqui, talvez possamos fugir," ela sugeriu, a voz quase perdida no barulho crescente das criaturas tentando romper a barricada.

Ele olhou para a janela, pensando. Não havia outra saída visível, e as criaturas estavam cada vez mais perto. "Está certo, vamos fazer isso," Jorge concordou. "Mas precisamos ser rápidos."

Com um esforço conjunto, eles abriram a janela, e alguns dos sobreviventes começaram a escalar para fora. Jorge ajudou a mulher a subir primeiro, observando-a com atenção. Ele sabia que a janela era pequena, e havia o risco de que uma das criaturas pudesse aparecer e os pegar desprevenidos.

Finalmente, quando todos estavam fora, Jorge fez um último olhar para a sala. Ele viu uma sombra se movendo, e seus instintos o avisaram de que eles não tinham muito tempo. Ele subiu rapidamente pela janela, sentindo um frio que o envolvia à medida que seus pés pousavam no telhado.

O beco era estreito e escuro, e o grupo se reuniu rapidamente. Jorge apontou para a saída do beco, onde havia uma porta que parecia levar para a rua. "Vamos, precisamos nos mover antes que elas nos encontrem!"

Conforme se moviam, Jorge começou a ouvir novamente os gritos e pedidos de socorro que ecoavam de algum lugar próximo. Era como um eco do que havia acontecido na entrada do abrigo, e ele sentiu um aperto no coração. O que se passava ali era uma armadilha, e eles estavam sendo atraídos para o que parecia ser uma armadilha mortal.

"Não podemos parar agora!" gritou um dos sobreviventes, um homem de pele pálida que parecia cada vez mais pálido. "Precisamos continuar!"

Eles avançaram, mas a sensação de serem observados não desaparecia. Jorge olhou para trás, esperando ver as criaturas se aproximando. Ele estava certo de que a escuridão estava se movendo com eles.

A porta do beco se abriu, revelando uma rua deserta e abandonada. Uma brisa fria passava, trazendo consigo um cheiro que Jorge não conseguia identificar — era como se a cidade estivesse apodrecendo. Com cada passo, a inquietação crescia.

"Para onde vamos?" perguntou a mulher de cabelos curtos, seu tom de voz agora hesitante.

"Precisamos encontrar um lugar seguro, talvez uma loja ou algo assim," Jorge respondeu. "Mas precisamos ficar juntos. Nunca sabemos onde as criaturas podem estar."

Conforme caminharam, passaram por uma loja que parecia ter sido saqueada. O interior estava em desordem, e o chão estava coberto de itens que haviam sido derrubados ou quebrados. Um sussurro percorreu o ar, e Jorge sentiu um calafrio descer pela espinha.

"Olhem!" gritou alguém, apontando para uma janela embaçada. Jorge seguiu o olhar da pessoa e viu algo se movendo dentro da loja, uma silhueta indistinta que se agitava entre as prateleiras.

"Devemos entrar?" perguntou um dos sobreviventes, seus olhos arregalados de medo.

"Talvez haja algo lá dentro que possamos usar," Jorge ponderou. "Mas temos que ter cuidado."

Eles decidiram entrar, empurrando a porta com cautela. Assim que cruzaram o limite, um estrondo ecoou. As prateleiras se inclinaram, derrubando mais objetos. Jorge viu um brilho rápido e uma sombra se mover em sua direção.

"Rápido, atrás de algo!" ele gritou, e todos se lançaram atrás do balcão da loja.

A sombra se aproximou rapidamente, revelando um corpo coberto de sujeira e rasgos de roupas. Era um homem, mas seus olhos estavam vazios, como se a vida tivesse sido drenada dele. Jorge imediatamente percebeu que não era uma pessoa qualquer.

Era uma das criaturas.

O homem estendeu os braços, mas não parecia ter a intenção de atacá-los. Em vez disso, ele começou a gemer, uma série de sons estranhos que pareciam mais com um lamento do que uma ameaça.

"É uma armadilha," sussurrou a mulher de cabelos curtos. "Eles estão tentando nos enganar."

Jorge franziu a testa, confuso. "O que você quer dizer?"

"Essas coisas... elas não são totalmente como pensávamos. Elas podem estar tentando se comunicar," ela respondeu, seus olhos cheios de uma mistura de medo e curiosidade.

O homem continuou a se mover, os gemidos aumentando em intensidade. Jorge percebeu que estava preso entre a decisão de atacar ou tentar entender. Ele se lembrou das advertências que havia ouvido — as criaturas podiam imitar a voz humana, mas e se isso fosse algo diferente? E se houvesse uma fração de humanidade ainda presa ali?

Ele se aproximou lentamente, mantendo a arma levantada, mas não apontando diretamente para o homem. "O que você quer?" Jorge perguntou, a voz trêmula.

Os olhos do homem brilharam por um instante, como se houvesse uma centelha de lucidez. Ele tentou falar, mas as palavras saíram como uma mistura de rosnados e gemidos, indecifráveis. "Ajuda..." foi o que Jorge conseguiu entender.

"Ajuda?" Jorge repetiu, se perguntando se era possível que houvesse um resquício de humanidade nesse ser torturado.

A mulher ao lado dele olhou para ele, um misto de esperança e dúvida em seu olhar. "Ele pode estar tentando nos dizer que há uma saída," ela sugeriu.

Mas antes que Jorge pudesse responder, o homem deu um passo à frente, e a visão de suas mãos gélidas se estendendo em direção a Jorge fez com que todos recuassem. A tensão era palpável, e o som das criaturas lá fora se intensificou, como se estivessem se preparando para invadir o local.

"Volte!" Jorge gritou, mas o homem parecia cada vez mais desesperado, como se estivesse lutando contra alguma força que o controlava.

"Não podemos ficar aqui! Vamos sair agora!" gritou um dos sobreviventes, quebrando o momento.

Jorge hesitou. "E se ele souber algo que precisamos saber? Se houver uma maneira de escapar?"

Mas a mulher já estava puxando os outros para fora da loja, e a decisão foi tomada. Jorge olhou mais uma vez para o homem, agora se contorcendo em dor, antes de se juntar ao grupo.

Eles correram pela rua, as sombras se fechando ao seu redor. O som das criaturas se aproximava, e Jorge sentiu que o tempo estava se esgotando. Ele se virou para olhar para a loja, o homem ainda visível, implorando, mas a porta já estava se fechando atrás deles.

"Para onde vamos agora?" alguém perguntou, o medo transparecendo em sua voz.

"Precisamos encontrar um lugar mais seguro, longe da cidade," Jorge respondeu. "Vamos continuar em frente, mas precisamos ser rápidos."

Enquanto corriam, Jorge não conseguia tirar o homem da loja da cabeça. As perguntas martelavam em sua mente. Seriam todas as criaturas assim? Havia alguma esperança de que a humanidade ainda existisse nelas? E se sim, a que custo?

Conforme avançavam, o som dos gritos e dos rosnados crescia, um lembrete constante do perigo que estavam enfrentando. O grupo se dispersou, cada um lutando para encontrar um caminho seguro através da noite sombria. Jorge liderou o caminho, seu coração acelerando enquanto tentava encontrar uma rota que os levasse para longe da cidade amaldiçoada.

Então, um barulho ecoou atrás deles, e Jorge virou-se para ver uma figura saindo das sombras. O medo se apoderou dele novamente, e ele levantou a arma, pronto para atirar, mas quando a figura se aproximou, ele ficou paralisado.

Era Rafael, o jovem que ele havia encontrado ferido.

"Jorge! Espera!" Rafael gritou, correndo em direção a ele. "Você não pode deixá-los me pegarem!"

A expressão no rosto de Rafael estava cheia de terror, e Jorge se lembrou de quão perto ele havia estado de perder tudo. "Rafael, o que aconteceu?" Jorge perguntou, sua voz carregada de preocupação.

"Eu... eu não sei. Eu estava tentando encontrar você e os outros, mas eles estavam me seguindo!" Rafael respirou pesadamente, olhando por cima do ombro como se estivesse esperando que algo surgisse a qualquer momento.

"Venha! Temos que sair daqui!" Jorge disse, segurando o braço de Rafael e puxando-o para se juntar ao grupo que estava à frente.

Conforme se moviam, o som dos passos e gritos se intensificava, e Jorge se perguntou se seriam capazes de escapar. Os rostos de seus companheiros estavam tensos, e o desespero começava a se infiltrar em seus corações.

"Precisamos encontrar abrigo!" Jorge exclamou. "Qualquer lugar que possamos defender!"

Eles correram mais adiante, em busca de um lugar seguro, quando a rua se abriu em uma pequena praça. As luzes dos postes estavam apagadas, mas uma construção antiga se destacava, uma biblioteca. A estrutura era imponente, com janelas altas e colunas desgastadas pelo tempo.

"Ali!" Jorge gritou, apontando para a biblioteca. "Vamos para lá!"

Todos concordaram e correram em direção à entrada. Assim que atravessaram as portas, o som do mundo exterior parecia se distanciar, mas o ar dentro era pesado e empoeirado. Estantes de livros se erguiam ao redor, e o lugar exalava um cheiro de papel envelhecido.

"Temos que nos barricar," Jorge disse, enquanto fechava as portas pesadas. "Alguém me ajude com essas estantes!"


                                                      Continuar...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Guerra dos Elfos