A Torre: parte: 03
João recuou, sentindo-se impotente e consumido por um terror
indescritível. A torre o havia prendido em um ciclo sem fim, um lugar onde os
sussurros nunca cessavam e as almas perdidas eram devoradas para sempre. Ele
sabia que, não importa o que fizesse, a torre continuaria a crescer, a espalhar
sua escuridão e a consumir qualquer um que ousasse entrar.
João tentou desesperadamente encontrar uma saída, mas as
paredes da torre pareciam se mover como se estivessem vivas, fechando-se à sua
volta. A escuridão era quase tangível, pressionando-se contra sua pele como um
manto de gelo. Ele sentiu a presença da torre crescendo em seu redor, como se
estivesse consciente, como se estivesse se alimentando do seu medo e desespero.
Seus pensamentos eram consumidos por uma única ideia: ele
não podia deixar Maria presa ali. Precisava encontrar uma forma de libertá-la,
mesmo que isso significasse enfrentar as profundezas mais sombrias da torre.
Ele ouviu novamente os sussurros — agora mais altos e mais
claros, e não eram apenas vozes distantes. Eles estavam falando com ele,
diretamente em sua mente, em uma mistura de línguas que ele não compreendia.
Mas entre as palavras estranhas, uma mensagem emergiu, uma repetição constante:
"Desista... junte-se a nós... desista..."
João sacudiu a cabeça, tentando afastar as vozes, mas elas
continuavam, martelando seus pensamentos como um eco persistente. Ele
lembrou-se do orbe quebrado, da estátua grotesca e das palavras enigmáticas que
a cercavam. Tudo apontava para uma origem muito mais antiga e mais maligna do
que ele poderia imaginar.
Desesperado, ele abriu caminho para outra porta que apareceu
magicamente à sua frente, uma porta diferente de todas as outras que ele já
havia visto dentro da torre. Estava coberta de símbolos que pareciam vibrar,
mudando de forma conforme ele os olhava. Cada símbolo parecia sussurrar sua
própria verdade e mentira, como se estivessem zombando de sua sanidade.
"Maria está além desta porta," ele pensou,
tentando se convencer de que era verdade. Ele estendeu a mão trêmula para a
maçaneta, e no momento em que a tocou, a porta se abriu com um som estridente,
revelando um corredor que parecia se estender por uma eternidade.
Enquanto caminhava, os sussurros se transformaram em gritos.
João viu sombras se arrastando pelas paredes, formas humanoides que se
retorciam e se distorciam, suas faces se transformando em caretas de dor e
terror. Ele reconheceu alguns rostos — eram os rostos das pessoas que tinham
desaparecido da aldeia ao longo dos anos, rostos que ele pensava nunca mais
ver.
Atravessando o corredor interminável, ele chegou a uma nova
sala, onde uma figura alta e encapuzada estava de costas para ele. A figura
parecia estar escrevendo algo em um grande livro, suas mãos movendo-se
rapidamente, como se registrasse cada acontecimento em detalhes meticulosos. As
palavras que saíam do livro pareciam ganhar vida, flutuando no ar como fumaça
que se dissipava lentamente.
"Quem é você?" João perguntou, sua voz quase
sumindo no eco da sala.
A figura virou-se lentamente, revelando um rosto oculto por
uma máscara de metal intricada, semelhante às inscrições que ele vira nas
paredes. Mas quando a figura falou, sua voz não saiu de sua boca, mas sim da
própria torre, reverberando por toda parte.
"Eu sou o cronista," disse a figura, com uma voz
profunda e ressoante. "Eu registro as histórias daqueles que ousam entrar
na torre. Suas vidas, seus medos, suas almas... tudo é catalogado e preservado
para sempre."
João sentiu um arrepio percorrer sua espinha.
"Maria," ele murmurou. "O que você fez com ela?"
O cronista ergueu uma mão, e as palavras que flutuavam no ar
começaram a se rearranjar, formando uma imagem de Maria presa nas paredes da
torre, seus olhos fixos em João, agora sem esperança e sem vida. "Ela é
parte da história agora," disse o cronista. "Como você será em
breve."
João avançou, movido por uma raiva cega. "Eu não vou
deixá-la aqui! Não vou me tornar parte desta maldição!"
Mas no momento em que tentou atacar o cronista, a sala
inteira se distorceu, e João se viu novamente caindo no vazio. Desta vez, ele
caiu em uma sala completamente diferente, uma sala que não parecia seguir
nenhuma lógica ou geometria. As paredes eram feitas de espelhos, e em cada
reflexo, ele via versões distorcidas de si mesmo — alguns chorando, outros
rindo maniacamente, e outros cobertos de sangue.
Em um dos espelhos, ele viu Maria. Mas não era a Maria que
ele conhecia; era uma versão dela corrompida, seus olhos negros como a noite,
um sorriso frio e cruel distorcendo seus lábios. Ela levantou a mão e acenou
para ele, como se estivesse convidando-o a juntar-se a ela.
"João," ela sussurrou, sua voz saindo de todos os
espelhos ao mesmo tempo. "Junte-se a nós. Deixe a torre consumir você. É
mais fácil do que lutar."
"Não!" João gritou, batendo no espelho, que se
quebrou em mil pedaços, cada fragmento refletindo um pequeno pedaço de sua dor
e desespero. Mas quanto mais ele quebrava, mais espelhos apareciam, cada um
mostrando cenas diferentes de sua vida e de suas piores memórias.
Ele viu a si mesmo sozinho, vendo seus entes queridos
desaparecerem um por um. Viu a aldeia coberta por uma sombra escura, as pessoas
sendo arrastadas para a torre uma a uma, seus gritos se perdendo no vento. Ele
viu os rostos de todos os que tentaram resistir e falharam, todos presos dentro
das paredes da torre, condenados a uma eternidade de sofrimento.
E, então, no meio de todos aqueles reflexos, ele viu algo
que o fez parar. Ele viu um reflexo onde ele estava ao lado de Maria, e os dois
estavam sorrindo. Não era uma versão distorcida ou corrompida — era uma visão
de esperança, uma versão de um futuro que poderia ter sido, onde eles escaparam
da torre juntos.
"Isso... isso não é real," ele disse para si
mesmo, suas mãos tremendo. "Nada disso é real."
Mas então, a voz do cronista ecoou novamente, rindo
baixinho. "Você está certo," disse o cronista, surgindo atrás de João
no reflexo. "Nada é real. Tudo é uma ilusão criada pela torre... exceto a
dor. A dor é sempre real."
E com essa última declaração, a sala começou a se
desintegrar, os espelhos se fragmentando em pedaços cada vez menores, até que
João estava novamente cercado apenas pela escuridão, a presença da torre
sussurrando em seu ouvido, zombando de sua resistência, alimentando-se de seu
desespero crescente.
Enquanto ele estava lá, sozinho e perdido, a única coisa que
ele podia ouvir era a voz de Maria, repetindo uma única frase em um lamento
interminável: "Você não pode me salvar, João. Você nunca poderá nos
salvar..."
João estava paralisado. A voz de Maria parecia vir de todos
os cantos, ecoando pelas paredes invisíveis da escuridão que o cercava. Ele
queria acreditar que havia uma maneira de salvá-la, mas cada palavra que ela
pronunciava parecia roubar um pouco mais de sua esperança.
"Você não pode me salvar, João... você nunca poderá nos
salvar..."
As palavras repetiam-se como um feitiço cruel, e João sentiu
como se estivesse afundando em uma lama espessa e sufocante. Ele tentou lutar
contra a sensação, tentou afastar as vozes, mas elas eram implacáveis, como
correntes invisíveis que se enrolavam em torno de sua mente, puxando-o para as
profundezas da própria torre.
"Eu não posso desistir..." murmurou ele para si
mesmo, tentando agarrar-se a qualquer fragmento de determinação que ainda lhe
restava. "Eu tenho que encontrar uma maneira de trazê-la de volta."
Com um esforço sobre-humano, João levantou-se, seus músculos
tremendo de exaustão e terror. Ele olhou em volta, tentando encontrar algo que
pudesse guiá-lo de volta à realidade. Foi então que ele percebeu que, no meio
da escuridão que o envolvia, uma luz fraca começava a emergir, tremeluzindo
como uma chama distante.
Ele caminhou em direção à luz, sentindo um misto de
esperança e desespero. Quanto mais se aproximava, mais a luz revelava uma porta
antiga e coberta de runas, diferente das outras que ele havia encontrado antes.
As inscrições eram como cicatrizes gravadas na madeira, algumas em línguas que
ele reconhecia, outras em símbolos que pareciam se mover e mudar cada vez que
ele os olhava.
João respirou fundo e estendeu a mão para a maçaneta da
porta. No momento em que tocou o metal frio, uma onda de energia passou por seu
corpo, e ele ouviu um som profundo e gutural, como se a própria torre estivesse
se abrindo e revelando um segredo obscuro.
A porta se abriu lentamente, rangendo, revelando um novo
ambiente do outro lado. Era um salão vasto e decadente, com paredes cobertas de
tapeçarias antigas e desbotadas. No centro do salão, uma grande mesa de pedra
estava coberta com objetos estranhos e perturbadores — crânios, velas acesas
com chamas azuis e um grimório aberto, cujas páginas pareciam feitas de pele
humana.
Mas o que mais chamou sua atenção foi uma figura sentada à
cabeceira da mesa. Um homem de aparência pálida e esquelética, vestido com
roupas cerimoniais de uma época esquecida. Seus olhos eram de um amarelo
brilhante, sem pupilas, e estavam fixos em João com um olhar que parecia
perfurar sua alma.
"Bem-vindo, visitante," disse o homem, sua voz
baixa e arrastada como o vento passando por túmulos antigos. "Vejo que
você encontrou o caminho até o salão das almas."
"Quem... quem é você?" perguntou João, tentando
manter a voz firme, mas o medo transparecia em cada palavra.
"Eu sou o guardião deste lugar," respondeu a
figura, levantando-se lentamente. "Eu sou aquele que mantém a ordem e
registra as histórias de todos que entram na torre. E agora, você é apenas mais
uma história para adicionar à minha coleção."
João deu um passo para trás, sentindo a realidade
distorcer-se ao seu redor. Ele sabia que estava em perigo, mas também sabia que
esse guardião era a chave para entender o que havia acontecido com Maria e
todos os outros que tinham sido engolidos pela torre.
"Eu quero respostas!" gritou João, sua voz ecoando
pelas paredes do salão. "Quero saber o que você fez com Maria e como eu
posso tirá-la daqui!"
O guardião sorriu, um sorriso que não tinha nada de humano.
"Ah, sim, Maria," ele disse, pronunciando o nome como se estivesse
saboreando cada sílaba. "Ela foi uma adição interessante ao nosso pequeno
mundo. Tão resistente, tão determinada... Mas a torre tem suas necessidades, e
ela precisava se alimentar."
"Se alimentar?" João repetiu, confuso e
horrorizado. "Do que você está falando?"
"O que você acha que mantém este lugar vivo,
João?" o guardião perguntou, sua voz agora cheia de uma malícia cruel.
"A torre é uma entidade faminta, alimentando-se das almas e dos medos
daqueles que ousam entrar em seu domínio. E Maria, como muitos antes dela, está
agora ligada a este lugar. Suas memórias, suas esperanças, seus pesadelos...
tudo faz parte do banquete eterno da torre."
"Eu não vou deixá-la aqui!" gritou João, sentindo
sua raiva fervilhar. "Eu vou levá-la comigo, nem que eu tenha que destruir
essa maldita torre para isso!"
O guardião riu, uma risada que parecia ecoar pelas fundações
da própria realidade. "Você não entende, não é? Não há como destruir a
torre. Ela não é apenas uma construção de pedra e madeira; é uma manifestação
do desespero, um reflexo dos piores medos da humanidade. Enquanto houver medo e
dor no mundo, a torre existirá, em todas as suas formas."
João olhou em volta, desesperado. Ele precisava encontrar
uma saída, uma fraqueza, algo que pudesse usar contra aquele ser e contra a
própria torre. Seus olhos pousaram no grimório sobre a mesa, suas páginas
cheias de símbolos e palavras que pareciam pulsar com uma energia maligna.
Em um momento de pura ousadia, João correu até a mesa e
agarrou o grimório, sentindo uma onda de energia passar por seu corpo, como se
ele tivesse acabado de tocar em algo proibido. O guardião deu um passo à
frente, seus olhos amarelos brilhando com uma fúria sobrenatural.
"Você ousa tocar no livro das almas?" o guardião
rugiu, sua voz tremendo o salão. "Você não sabe o que está fazendo, humano
tolo!"
Mas João não se importava. Ele sabia que aquele livro era
sua única chance. Com um movimento rápido, ele abriu uma página aleatória e
começou a ler as palavras que estavam escritas ali, uma língua antiga e morta
que parecia ressoar com uma força primitiva.
No instante em que começou a recitar as palavras, a torre
inteira começou a tremer. As paredes pulsavam como se fossem carne viva, e os
gritos das almas presas ecoaram pelos corredores. O chão sob seus pés começou a
se despedaçar, revelando um vazio infinito que se abria como uma boca faminta.
O guardião gritou algo ininteligível e avançou para tentar
arrancar o grimório das mãos de João, mas antes que pudesse alcançá-lo, uma
explosão de luz cegante irrompeu do livro. João sentiu-se puxado para fora de
si mesmo, como se estivesse caindo em um turbilhão de escuridão e luz.
Quando abriu os olhos novamente, estava em um lugar
completamente diferente. Ele estava de volta à entrada da torre, mas desta vez,
a porta estava selada, e ao seu redor, a aldeia parecia ter sido devorada por
um nevoeiro espesso e gelado.
Ele olhou para suas mãos e percebeu que o grimório ainda
estava com ele. Mas algo estava diferente; ele podia sentir a presença da torre
dentro de si, uma conexão que nunca havia existido antes. E pior ainda, podia
ouvir a voz de Maria, agora não mais implorando por ajuda, mas rindo
suavemente, uma risada que ecoava dentro de sua mente.
"João," ela sussurrou, sua voz distorcida e cheia
de uma nova malícia. "Você abriu a porta errada, meu amor. E agora, você
faz parte deste lugar... assim como eu."
João caiu de joelhos, sentindo a torre se enraizar em sua
alma, suas esperanças esmagadas pelo peso do desespero que o cercava. E naquele
momento, ele entendeu a verdade cruel: não havia como sair da torre. Não havia
como salvar Maria.
João respirou fundo, a frustração e o desespero se
misturando em seu peito. A risada de Maria ressoava em sua mente, um eco de
tormento que se entrelaçava com suas próprias memórias. O grimório, pesado em
suas mãos, parecia pulsar com uma energia viva. Ele olhou ao redor, a vila
envolta em uma neblina densa, como se o mundo tivesse sido pintado em tons de
cinza e sombras.
Ele não podia desistir. A ideia de que Maria estava presa na
torre, agora parte dela, o incendiava com uma determinação renovada. Ele se
levantou, a dor nos músculos esquecida diante da urgência de salvar a mulher
que amava, mesmo que a própria torre parecesse querer consumi-lo. O grimório em
suas mãos parecia um convite para o desconhecido, um mapa que poderia levá-lo a
um caminho de volta.
Mas como usar aquele poder? João fechou os olhos e tentou se
concentrar, lembrando-se das palavras que lera anteriormente. A língua antiga
reverberava em sua mente, e ele começou a murmurar algumas das frases, tentando
recordar a sensação das sílabas enquanto o ar ao seu redor começava a vibrar.
A neblina ao seu redor começou a se agitar, como se
estivesse viva. O chão sob seus pés tremia e ele sentiu a conexão com a torre
se aprofundar. As vozes das almas aprisionadas começaram a sussurrar em
uníssono, misturando-se com a sua própria respiração. As paredes da torre
estavam mais próximas do que ele imaginava, e com elas, o peso do desespero.
"Maria!" gritou ele, sua voz ecoando pelo vazio.
"Se você puder me ouvir, me dê um sinal!"
No silêncio opressivo que se seguiu, o único som era o
batimento acelerado de seu coração. Ele estava prestes a desistir quando uma
brisa leve passou por ele, levando consigo um perfume doce e familiar — o
cheiro dos cabelos de Maria. O aroma trouxe consigo uma onda de memórias: risos
compartilhados, tardes ensolaradas e a suavidade de seu toque.
"João..." a voz dela ressoou suavemente, quase
como um sussurro. "Você não deve estar aqui... A torre não é o que parece.
Ela vai te devorar, assim como me devorou."
Ele sentiu um calafrio descer pela espinha, as palavras dela
carregadas de um aviso profundo. "Eu não vou deixar isso acontecer! Eu vou
encontrar uma maneira de te tirar daqui. Não posso perder você, Maria."
"Não sou mais quem você conhece," ela respondeu,
sua voz ecoando com um tom distante. "A torre me mudou. E agora, você deve
escolher. Você pode voltar, ou pode ficar e se unir a mim neste mundo."
João sentiu seu coração apertar. O dilema pesava sobre ele,
uma escolha entre a dor de perder Maria para sempre e a tentação de se juntar a
ela, mesmo que isso significasse se tornar uma parte da torre. Ele fechou os
olhos, tentando encontrar clareza no turbilhão de emoções que o consumia.
Mas havia algo em seu íntimo que se recusava a se render.
Ele se lembrava do que a torre representava: a dor, o sofrimento, a perda. E se
Maria estava de alguma forma ligada à torre, ele precisava descobrir como
salvá-la — e a si mesmo.
Decidido, ele começou a recitar as palavras do grimório mais
uma vez, sua voz se elevando em um clamor desesperado. A neblina ao seu redor
começou a se agitar ainda mais, e ele sentiu a pressão do poder crescente. As
palavras, assim como um mantra, reverberavam em sua mente, criando uma conexão
com a essência da torre.
"Eu não sou seu alimento!" gritou ele, sua voz
ressoando com uma força renovada. "Você não vai me levar! Não enquanto eu
tiver vida!"
A neblina começou a se dissipar, revelando fragmentos de luz
que dançavam ao seu redor. Ele viu sombras se contorcendo, retorcendo-se em
formas humanas e grotescas, gritando em um desespero sem fim. As almas
aprisionadas estavam se agitando, e João percebeu que a torre estava se
alimentando do próprio medo que ele estava tentando dissipar.
Ele precisava focar. Lembrando-se de sua conexão com Maria,
ele visualizou-a em sua mente: a forma dela, os sorrisos, a luz que ela trazia
para sua vida. Ele precisava se ancorar a essa imagem, essa esperança.
"Maria, se você está aí, venha até mim!" ele
clamou, fechando os olhos com força. "Volte para mim!"
Uma onda de energia atravessou seu corpo, e ele sentiu uma
presença se aproximar. Uma sombra familiar se materializou à sua frente — era
Maria, mas algo estava diferente. Seus olhos, antes cheios de vida, agora
pareciam opacos e vazios, como se a própria essência dela estivesse sendo
drenada.
"João..." disse ela, sua voz um eco distante.
"Você não entende. Não pode me salvar. A torre me transformou, e agora, eu
sou uma parte dela."
"Não! Isso não pode ser verdade!" João gritou,
estendendo a mão em direção a ela. "Lute contra isso! Eu sei que você
ainda está lá!"
Ela hesitou, uma centelha de reconhecimento passando por seu
olhar. "Você não pode vencer a torre. É mais poderosa do que você
imagina."
A neblina ao redor começou a se agitar de novo, as almas das
outras vítimas clamando por liberdade e sofrimento. João olhou para o grimório,
em busca de uma resposta. As páginas estavam abertas em uma seção que parecia
vibrar com a energia, palavras antigas e símbolos girando e mudando à sua
frente.
Ele percebeu que havia uma forma de invocar algo — algo que
poderia desafiar a própria torre. Mas era uma invocação perigosa. Ele estava
prestes a recitar quando sentiu um puxão forte em seu peito. A torre estava
tentando arrancá-lo de volta, suas raízes se aprofundando em sua alma, tentando
fazer dele mais um de seus servos.
"Não! Eu não vou me deixar vencer!" ele gritou,
sua determinação crescendo. Ele precisava se libertar, e para isso, deveria se
concentrar em uma única intenção — salvar Maria.
"Eu invoco as forças que governam este mundo!" ele
proclamou, sua voz ecoando com poder. "Apenas uma chance! Que a luz venha
para combater as trevas desta torre maligna!"
Uma onda de energia explodiu a partir dele, fazendo a
neblina se dissipar. O guardião da torre, aquela figura esquelética, apareceu à
sua frente novamente, com um olhar furioso. "Você não sabe com o que está
brincando, humano! A torre não é algo que você pode invocar ou desafiar!"
"Eu não vou parar!" João gritou, sentindo o poder
se acumular dentro dele, crescendo com cada palavra que proferia. "Eu não
vou deixar você levar Maria!"
Os olhos do guardião brilharam com uma fúria indescritível,
e ele avançou em direção a João, mas a energia que emanava do grimório o
deteve. Uma barreira de luz irrompeu entre eles, um escudo que afastava as
sombras que tentavam envolvê-lo.
"Se você não pode salvá-la," disse o guardião, com
a voz carregada de desprezo, "então ela é sua agora, parte do meu banquete
eterno!"
Maria estava paralisada, um conflito visível em seu rosto.
Ela estava presa entre dois mundos: a sua escolha de permanecer e o amor de
João que tentava puxá-la de volta. "João..." ela sussurrou, a voz
repleta de angústia. "Se você realmente se importa, deixe-me ir. A torre é
o meu destino agora."
"Não!" João gritou, lutando contra as lágrimas que
ameaçavam cair. "Eu não vou desistir de você! Não importa o custo!"
Ele olhou para o grimório, sentindo a força das palavras. A
invocação que ele estava prestes a realizar poderia ser o que eles precisavam.
Ele precisava canalizar a energia da torre, usá-la contra seu guardião e abrir
uma passagem.
"Eu invoco as sombras e as luzes! Que tudo que foi
aprisionado neste lugar se liberte!" ele gritou, as palavras reverberando
no ar. A luz se intensificou, e o chão começou a tremer, as paredes da torre
vibrando sob o peso do poder.
Uma fissura se abriu sob seus pés, e João sentiu-se sendo
puxado para um abismo. Ele agarrou a mão de Maria, mas ela hesitou, olhando
para ele com olhos que refletiam tanto amor quanto medo.
"Eu não quero te perder!" ele gritou, suas
palavras soando como um lamento. "Por favor, fique comigo!"
As sombras ao redor começaram a se agitar, e uma onda de
gritos ecoou pela torre. As almas aprisionadas estavam se libertando, e o
guardião começou a se retorcer, sua forma desmoronando sob a pressão crescente.
"Você não pode fazer isso!" ele gritou, mas sua
voz estava se perdendo, como se a própria torre estivesse se desintegrando.
João sentiu a presença de Maria se afastar, a conexão entre eles sendo puxada
em direções opostas.
"João..." ela disse, sua voz agora um eco
distante, mas cheia de amor. "Seja forte. Lute."
E com isso, a luz irrompeu entre eles, uma onda poderosa que
fez o mundo ao seu redor se desvanecer em um brilho intenso.
A consciência de João foi arrastada em um turbilhão, a luz o
envolvendo completamente. Ele sentiu como se estivesse flutuando em um vazio,
uma sensação de liberdade e peso ao mesmo tempo. O eco das vozes das almas
aprisionadas se dissipou, e ele abriu os olhos para encontrar um céu estrelado
acima dele.
Ele estava deitado em uma clareira, a lua iluminando
suavemente o lugar. O ar estava fresco, e a sensação de alívio e tranquilidade
o envolvia. Ele se levantou lentamente, olhando ao seu redor, mas não havia
sinal da torre. Apenas árvores ao longe e o sussurrar do vento.
"Maria!" ele gritou, o desespero voltando em um
turbilhão. Ele não tinha certeza se estava sonhando ou se tinha realmente
conseguido escapar. O que tinha acontecido? Havia uma chance de que ela ainda
estivesse lá, lutando contra as sombras da torre.
Ele olhou ao seu redor, procurando qualquer pista, qualquer
vestígio dela. A clareira parecia vazia, mas havia algo mais ali, um leve
brilho à sua direita. Aproximando-se, João viu uma pedra cintilante, pulso de
luz emanando dela como se estivesse viva. Ele se abaixou, tocando-a suavemente.
Imediatamente, uma onda de visões o atingiu — momentos de
alegria, risos compartilhados, e então as imagens da torre. Ele viu Maria,
presa em uma teia de sombras, lutando para se libertar. O que ele havia feito?
Tinha conseguido escapar, mas a batalha ainda não havia terminado.
"Eu voltarei," murmurou ele para si mesmo,
determinado. Ele não podia deixar Maria para trás. Precisava encontrá-la,
precisava entender o que a torre realmente era e como poderia derrotá-la de uma
vez por todas. A pedra ainda pulsava em sua mão, e ele percebeu que tinha um
papel importante a desempenhar.
João se levantou, sentindo a adrenalina correr em suas
veias. Ele tinha um objetivo agora, um propósito. Enquanto se afastava da
clareira, o brilho da pedra guiava seus passos, prometendo que a jornada estava
apenas começando. E ele não desistiria de Maria — não enquanto houvesse um
vestígio de esperança.
Ao longe, as estrelas piscavam, como se tivessem consciência
do que estava por vir. E a cada passo, João se sentia mais conectado àquele
mundo, mais determinado a desafiar as trevas que ameaçavam consumir tudo o que
amava.
Caminhando por uma trilha sinuosa, João começou a formular
um plano. Ele sabia que a torre era mais do que apenas uma estrutura física;
era uma entidade, uma força que se alimentava do desespero e da dor das almas
que aprisionava. Para confrontá-la, ele precisava entender seus segredos — e a
única maneira de fazer isso era através do grimório que ainda segurava.
Ele parou em um pequeno riacho, lavando o rosto cansado e
exausto. O frio da água o despertou, e ele sentiu o peso de sua missão. Não
podia permitir que o medo o dominasse, não depois do que havia enfrentado. Ele
tinha o poder em suas mãos e precisava usá-lo com sabedoria.
Retornando à trilha, ele se lembrou de como as palavras do
grimório ressoavam em sua mente, como um canto antigo que parecia chamá-lo. Ele
precisava descobrir como aquele livro havia se conectado à torre. Poderia haver
pistas escondidas nas páginas — algo que ele não havia notado antes.
Após horas de caminhada, encontrou um pequeno abrigo sob as
árvores, onde poderia descansar e estudar o grimório em paz. A lua estava alta,
e o silêncio da floresta era apenas quebrado pelo som do vento nas folhas.
Sentando-se sobre uma pedra, ele abriu o grimório novamente,
as páginas brilhando com uma luz etérea. Com o olhar fixo, ele começou a ler,
cada palavra ecoando em sua mente. Havia referências a rituais, a formas de
comunicação com as almas e, mais importante, à verdadeira natureza da torre.
"Ela é uma prisão e uma prisão de almas," ele
murmurou para si mesmo, enquanto as imagens dançavam em sua mente. "Se eu
puder liberar as almas, talvez consiga enfraquecer a torre."
A ideia acendeu uma chama de esperança dentro dele. Se ele
pudesse convocar as almas aprisionadas e libertá-las, isso poderia dar a Maria
a chance que precisava. Ele começou a escrever algumas anotações em uma folha
de papel que encontrou no grimório, formulando o ritual que poderia usar.
A noite avançava, e a determinação de João crescia. Ele
revisitou as palavras que ressoavam em sua mente e se sentiu mais forte. Ele
não estava apenas lutando por Maria; estava lutando por todas as almas que
haviam sido consumidas pela torre.
Com um novo plano em mente, ele decidiu que, ao amanhecer,
ele seguiria em direção à torre novamente. Era hora de confrontar o guardião e
enfrentar os horrores que o esperavam lá. E, com a luz da manhã, ele acreditava
que conseguiria trazer Maria de volta.
Enquanto se preparava para a noite, seus pensamentos estavam
focados no que estava por vir. Ele não podia se deixar levar pelo desespero;
precisava manter a esperança viva. E a cada batida de seu coração, ele se
lembrou do amor que o guiava. Maria era mais do que uma sombra na torre; ela
era sua luz.
Quando o sol começou a nascer, o céu estava pintado em tons
de rosa e laranja. João se levantou, as esperanças renovadas pulsando dentro
dele. Ele guardou o grimório e começou a jornada de volta para a torre, suas
pernas firmes e decididas.
A floresta parecia diferente sob a luz do sol; o silêncio
agora era acompanhado por um canto distante de pássaros e o farfalhar das
folhas. Ele respirou profundamente, absorvendo a energia vibrante ao seu redor.
O dia estava começando, e com ele, novas possibilidades.
Ao chegar ao pé da torre, ele parou por um momento,
observando a estrutura sinistra que se erguia contra o céu. O peso da história
dela estava presente em cada pedra, em cada sombra. Mas desta vez, ele não
estava sozinho — ele tinha o poder do grimório e a determinação de libertar as
almas.
"Eu vou vencer você," João disse em voz alta, sua
determinação ressoando nas paredes da torre. "E vou salvar Maria!"
Ele subiu as escadas tortuosas, cada passo ecoando com a
certeza de que estava se aproximando de seu destino. O ar ficou mais denso à
medida que ele se aproximava do topo, e o som de vozes distantes começou a
ecoar, aumentando em intensidade.
Ao chegar à sala principal, o guardião já o esperava, sua
forma esquelética envolta em sombras pulsantes. "Você está de volta,
humano," ele disse, sua voz baixa e ameaçadora. "Eu avisei que não
deveria voltar."
"Eu não tenho medo de você," João respondeu,
segurando firmemente o grimório. "Hoje, você vai enfrentar o poder da
luz!"
As palavras que ele havia ensaiado dançaram em sua mente, e
ele as pronunciou com fervor, sentindo a energia do grimório se intensificar.
As sombras ao redor do guardião começaram a se agitar, enquanto João invocava
as forças que protegiam a luz.
"Eu convoco todas as almas aprisionadas nesta torre!
Libertem-se e tragam a verdade para este lugar!"
O chão começou a tremer, e uma onda de energia irrompeu em
torno dele. O guardião gritou em fúria, as sombras ao seu redor se contorcendo
em um desespero crescente. Mas João não estava prestes a desistir. Ele sentiu
uma conexão crescente com as almas, uma sensação de que, juntos, poderiam
vencer a torre.
Os gritos das almas ecoaram ao seu redor, e ele viu sombras
se formando, rostos familiarmente distorcidos, todas buscando a liberdade que
há tanto tempo lhes fora negada. Ele viu Maria entre eles, seu olhar um misto
de amor e desespero.
"João!" ela gritou, a voz dela cortando o ar como
uma lâmina. "Você tem que ser rápido! A torre está enfraquecendo, mas o
guardião não desistirá!"
"Eu não vou desistir de você!" ele respondeu, a
determinação ardendo em seu coração. "Vamos juntos, Maria!"
Ele sentiu a energia crescendo em seu interior, uma onda de
poder que poderia finalmente libertá-los. As sombras começaram a se dissipar, o
guardião se contorcendo sob a pressão crescente. João estava prestes a dar o
golpe final quando uma voz sinistra ecoou atrás dele.
"Você realmente acha que pode vencer? A torre sempre
vencerá!"
Era a voz do guardião, mais poderosa do que nunca. As
sombras se uniram, formando uma tempestade de escuridão ao redor de João,
tentando arrastá-lo para baixo. Ele estava prestes a sucumbir ao desespero
quando se lembrou de sua conexão com Maria, do amor que compartilhavam.
"Eu não estou sozinho!" ele gritou, levantando o
grimório com toda a força. "Eu convoco o poder do amor, da esperança e da
luz!"
Continuar...
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