Titã: Capítulo: 56
O campo de batalha havia se acalmado, e a poeira levantada pelos embates entre os mechas e as criaturas draconianas começava a baixar. O som ensurdecedor de metal contra metal e as explosões ecoantes foram substituídas por um silêncio tenso, apenas quebradas pelos ruídos distantes dos reparos e pelas vozes baixas dos sobreviventes. O corpo metálico de Titã , o mecha pilotado por Elian , estava coberto de cicatrizes da batalha, mas continuava de pé, um símbolo de resistência e força.
As pessoas ao redor estavam saindo lentamente de seus
abrigos improvisados, tentando recuperar algum senso de normalidade em meio à
destruição. Elian, ainda dentro do Titã , observava os movimentos ao seu
redor através dos monitores. Cada movimento era cuidadoso, como se o medo de
que outro ataque pudesse acontecer a qualquer momento ainda pairasse sobre
todos.
— Comandante Elian, os civis estão se movendo para as
áreas seguras. Nossa equipe médica já está cuidando dos feridos. — a voz de
Lian ecoou pelos alto-falantes no interior de Titã .
Elian assentiu, mesmo sabendo que Lian não podia vê-lo, e
respondeu através do comunicador.
—Bom trabalho. Vamos garantir que ninguém fique para
trás. Continue monitorando qualquer atividade anormal ao redor do portal.
Ele sabia que, apesar da calmaria temporária, o perigo ainda
não havia passado completamente. Os dragonianos tinham sido recuperados pelo
portal, mas a guerra estava longe de ser vencida. Os rumores de alianças
sombrias entre os reinos e os draconianos fizeram com que todos no campo de
batalha permanecessem em alerta máximo.
Titã se moveu lentamente para um campo improvisado de
reparos, onde diversos mecanismos estavam sendo restaurados por engenheiros e
técnicos. A própria mecha de Elian estava danificada. O painel de controle
piscava com avisos de baixa energia e variações nos sistemas de defesa. Ele
desativou o Titã , abrindo o cockpit e descendo para o solo com um salto
ágil.
— Comandante! — um dos engenheiros o cumprimentou. — Seu
mecha sofreu bastante com aquele último ataque do dragão. Vamos precisar de
pelo menos algumas horas para deixar tudo em pleno funcionamento de novo.
— Faça o que puder, mas seja rápido. Não sabemos quanto
tempo teremos antes que algo mais aconteça. — Elian respondeu, passando os
olhos rapidamente pelos mechas ao redor, muitos deles gravemente danificados,
mas ainda operacionais.
Ele sabia que primeiro manteria a moral alta. Mesmo que as
pessoas estivessem exaustas e as máquinas aos pedaços, o simples fato de
estarem vivos era um pequeno milagre. Os draconianos foram cada vez mais
agressivos, suas investidas mais violentas e destrutivas, e a última batalha
foi a mais difícil até agora.
Elian caminhou até onde alguns de seus oficiais e soldados
se reuniram ao redor de um mapa holográfico, discutindo os próximos passos. Lian
estava lá, dando ordens e organizando as patrulhas.
— Lian, qual é a situação agora? — ele disse, se
aproximando do grupo.
Lian o cumprimentou com um aceno breve.
— A cidade está relativamente segura por enquanto.
Estamos monitorando o portal, e até agora não há sinais de novos movimentos dos
draconianos. Mas as pessoas estão exaustas, comandante. Eles mal conseguem se
manter de pé, e alguns soldados estão questionando se devemos continuar lutando
ou tentar negociar outra vez.
Elian olhou para o grupo reunido e viu em seus rostos o
cansaço e a dúvida. Ele sabia que muitos estavam iniciando um questionamento à
decisão do rei Aldren de recusa do tratado de paz com os draconianos.
Era um dilema que o acompanhava desde o início da guerra. A oferta de paz dos
draconianos, aparentemente vantajosa, vinha com um preço alto demais: a
rendição total das terras e a submissão ao governo draconiano. Para o rei, e
para Elian, essa rendição nunca seria uma opção.
— Eu entendo o cansaço de todos vocês, mas estamos mais
perto da vitória do que nunca. — Elian disse, tentando trazer um pouco de
esperança para o grupo. — Os dragonianos sabem que somos o último reino que
resiste. E enquanto resistimos, há esperança para todos os outros. Se cairmos,
eles dominarão completamente o mundo que conheceram.
Os olhares fixos de seus companheiros mostravam que suas
palavras tinham algum efeito, mas ele sabia que não seria suficiente para rir
de todos. Havia um crescente sentimento de insatisfação no ar, e isso era ainda
mais preocupante do que a ameaça dos draconianos.
— E quanto ao reino que se aliou a eles? — Disse um
dos soldados, sua voz carregada de frustração. — Como vamos enfrentar dois
militares agora que eles se uniram aos dragonianos? Eles têm os recursos, como
máquinas e os soldados.
Elian respirou fundo, sabia que essa pergunta viria mais
cedo ou mais tarde.
— Essa aliança é perigosa, sim. Mas não podemos esquecer
que o povo desse reino está sob domínio de um poder que não compreende. Os
dragonianos não são governantes, são conquistadores. Aqueles que se aliam a
eles acabarão percebendo que foram usados, assim como todos os outros antes
deles. Precisamos lutar para libertar não só nosso reino, mas os deles também.
O grupo caiu em um breve silêncio, refletindo sobre as
palavras de Elian.
— Mas para isso, precisamos nos fortalecer primeiro.
Reparar nossas mechas, cuidar dos feridos, e nos preparar para o que está por
vir. Lian, demonstrou-se que todos os sistemas de defesa estão funcionando. Eu
não quero ser pego de surpresa por outro ataque.
Lian concordou e voltou ao trabalho com o resto do grupo.
Elian se atrasou, sentindo o peso da responsabilidade em seus ombros. Ele sabia
que a situação estava se tornando cada vez mais crítica, mas não podia se
permitir vacilar. Seu dever era proteger o reino e garantir que a chama da
resistência continuasse acesa.
Enquanto caminhava entre os destroços e os campos de reparo,
avisava as pessoas ao seu redor — soldados feridos, civis tentando ajudar da
maneira que podiam, engenheiros trabalhando incessantemente para restaurar os
mechas. Era uma visão ao mesmo tempo desoladora e inspiradora. Cada um ali
estava dando tudo de si para sobreviver e para garantir um futuro em que não
estivesse sob o domínio dos dragonianos.
Ao longo, o portal ainda pulsava com sua energia estranha,
uma lembrança constante de que o perigo ainda estava presente. As pessoas
sabiam que, a qualquer momento, outro exército poderia surgir de lá, trazendo
mais destruição. O medo estava presente, mas também havia uma determinação
silenciosa.
Elian ergueu uma pequena colina que dava uma visão ampla da
cidade que eles estavam protegendo. O sol começava a se pôr, tingindo o céu de
laranja e vermelho, e por um breve momento, tudo parecia em paz. Mas ele sabia
que aquela paz era frágil, uma ilusão que poderia se desfazer a qualquer
momento.
Ele ativou o comunicador de sua trajetória e fez uma
transmissão geral para todos os soldados e civis na área.
— Aqui é o comandante Elian. Sei que estamos cansados,
sei que muitos de vocês estão questionando o que vem a seguir, mas eu quero que
todos lembrem-se de por que estamos lutando. Não é só por este reino, é pelo
futuro de todos. Não podemos permitir que o domínio draconiano se espalhe. Não
vamos nos curvar. E enquanto eu estiver de pé, vocês também serão. Vamos vencer
isso juntos.
Desligando a transmissão, Elian olhou uma última vez para o
horizonte, respirando fundo. Ele sabia que a verdadeira batalha ainda estava
por vir, mas estava pronta.
Elian observava a cidade abaixo, os prédios destruídos pela
guerra, os campos de refugiados improvisados e os soldados exaustos. Havia um
silêncio no ar, como se a própria terra estivesse esperando o próximo
movimento, o próximo grito de batalha. Mas o que mais perturbava Elian não era
o desgaste físico de seus companheiros ou a destruição ao seu redor — era a
tensão que crescia cada vez mais entre as pessoas e o rei Aldren .
Ele sabia que o povo começava a questionar a decisão de rei
de continuar lutando. A proposta dos draconianos de paz em troca de submissão
parecia uma saída adequada, especialmente agora, depois de tantos dias sem
ataques diretos. Muitos soldados estavam exaustos, mentalmente e fisicamente, e
os civis, que sofreram tanto, começaram a duvidar se a guerra valia todo esse
sacrifício.
Titã , seu mecha, estava novamente em processo de
reparos, algo que parecia se tornar uma rotina constante desde que os
draconianos haviam começado suas investidas. O som das ferramentas reverberava
ao longo, enquanto os engenheiros trabalhavam para restaurar o poder de fogo e
as defesas dos mecanismos mais danificados.
Elian subiu até o cockpit de Titã , mas não ligou os
sistemas. Ele queria um momento de solidão para refletir. A cidade estava
calma, mas por dentro, sua mente era um turbilhão de pensamentos conflitantes.
A ideia de que os dragões poderiam ter o direito de buscar
vingança ecoava em sua cabeça, uma voz perturbadora que ele tentava escapar,
mas que nunca o deixava completamente em paz. No passado, os dragões foram
exterminados até quase a extinção. Seus ancestrais, sob a bandeira de um reino
unificado, travaram uma guerra sangrenta contra essas criaturas poderosas, e
apenas alguns raros espécimes sobreviveram. Os dragões foram empurrados para o
esquecimento, para as lendas. Agora, no entanto, eles estavam de volta, e com
eles, a exigência de vingança.
" Talvez seja justo... ", pensou Elian,
quase como uma sugestão, mas logo apagou esse pensamento. Ele era um
comandante, um guerreiro a serviço do reino, e seu dever era proteger sua terra
e seu povo. Mas a linha entre justiça e vingança, entre direito e destruição,
começava a se borrar.
Ele se lembra das antigas histórias que ouviu quando criança
— histórias de dragões como criaturas aterrorizantes, mas também majestosas.
Lendas falavam de sua sabedoria, da sua relação antiga com o mundo antes da
civilização humana. Mas foi a ambição dos homens, a fome por poder e terra, que
os levou a caçar os dragões quase até a extinção. Agora, séculos depois, eles
voltaram não apenas como bestas aladas, mas como forças organizadas, guiadas
pelos draconianos — dragões em forma humana, poderosos e calculistas, ansiosos
por restaurar o que defendiam ser seu lugar de direito.
Elian abriu os controles do cockpit de Titã como se
estivesse tentando controlar seus próprios pensamentos. Era verdade que os
dragões foram vítimas de uma guerra brutal no passado. Mas também era verdade
que, naquela época, eles eram uma ameaça constante, destruindo vilas e tomando
terras. Não havia escolha para não ser lutado, ou assim diziam os anciãos. O
ciclo de violência entre dragões e humanos foi enraizado na história. Seria
possível quebrar esse ciclo agora?
— Comandante, — a voz de Lian , sua segunda em
comando, soou no comunicador — precisamos de você na sala de comando. Há
rumores circulando entre os soldados. Estamos falando que o rei Aldren está
considerando uma nova ofensiva.
Elian suspirou e desligou o comunicador por um momento. Ele
precisa se concentrar, mas a tensão dentro dele só cresceu. Se o rei realmente
fosse uma nova experiência, isso poderia ser um ponto de ruptura para muitos
soldados e civis. A proposta dos draconianos ainda estava fresca na memória de
todos. E, para muitos, a ideia de um acordo de paz era uma saída muito mais
tentadora do que continuar com uma guerra que já havia custado tanto.
Ele desceu do Titã , ajustando sua trajetória
enquanto caminhava em direção à sala de comando. No caminho, encontraram alguns
soldados, suas expressões cansadas e sombrias. Havia algo diferente no ar, como
se a moral do exército estivesse se desintegrando lentamente, uma rachadura
invisível que ameaçava se tornar uma ruptura total.
Ao entrar na sala de comando, viu Lian e outros
oficiais já reunidos ao redor de um mapa holográfico. Suas vozes eram baixas,
mas a tensão não era palpável. Houve discussões intensas sobre a possível nova
ofensiva do rei, mas também sobre as consequências dessa escolha.
— Comandante Elian, — Lian começou, endireitando-se
ao vê-lo entrar — os rumores são verdadeiros. O rei Aldren quer atacar o
portal principal dos draconianos antes que eles possam fortalecer sua posição.
Ele acredita que se conseguirmos desestabilizá-los agora, antes que unam forças
com o reino aliado, possamos ter uma chance de vitória.
Elian franziu a testa. Era uma jogada ousada, sem dúvida,
mas também extremamente arriscada. Um ataque direto ao portal poderia provocar
a ira total dos draconianos e dos reinos que se aliaram a eles. E não havia
garantia de que o ataque seria bem sucedido. Se falhassem, o reino estaria mais
vulnerável do que nunca.
— E o que os soldados pensam disso? — Elian disse, já
sabendo a resposta.
Lian hesitou por um momento antes de responder.
— Muitos estão cansados, comandante. Alguns já
questionaram abertamente a liderança do rei. Eles não entendem por que
continuamos lutando quando há uma oferta de paz na mesa. Há quem ache que o rei
está sendo teimoso, ou pior, que ele está colocando seu orgulho acima da
segurança do povo.
Elian fechou os olhos por um momento. Ele sabia que era
difícil pedir mais sacrifícios quando a esperança parecia tão distante. E,
embora ele compartilhasse das preocupações sobre os draconianos e seus
interesses, também entendia o desejo de paz. Uma paz, porém, que poderia vir ao
custo da liberdade do reino.
— Preciso de uma decisão. O exército está à beira de um
motim, e os civis... bom, já há sugestões entre o povo. Muitos consideram
desertar ou até se juntarem aos draconianos. — Lian completou, sua voz
tensa.
Elian ponderou por um momento, olhando para o mapa
holográfico. Ele sabia que, independentemente da escolha que fizessem, o
conflito interno só se intensificaria. A questão agora era: lutar até o fim ou
ceder a uma paz terrível?
Ele se lembrou dos dragões, das histórias de seu povo, da
devastação que essas criaturas trouxeram no passado. Mas também se lembrou de
algo mais: o medo que os humanos tinham dos dragões, um medo que levou a
perseguições e ao quase extermínio completo da espécie. Teriam os humanos, de
certa forma, causado essa vingança draconiana? Será que, no fundo, o ciclo de
destruição foi iniciado por sua própria espécie?
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